É com o regresso do conto "O Rebento", inserido na obra "A Fúria e Outros Contos", de Silvina Ocampo, que se constrói a proposta de leitura para hoje.
Uma vida atribulada e cheia de peripécias, sobretudo no plano amoroso e quase sempre sob a influência das aventuras que o marido, o também escritor Adolfo Bioy Casares, foi acumulando: esta é uma síntese do que passou Silvina Inocência Ocampo. Nascida a 28 de julho de 1903 em Buenos Aires, as artes plásticas seriam a sua paixão inicial e, no princípio dos anos 20, iria ter a oportunidade de estudar Belas Artes em Paris com dois nomes importantes do movimento surrealista: Giorgio de Chirico e Fernand Léger. Porém, quando voltou à Argentina, escolheu a escrita como via para melhor expressar o seu talento e "Viaje Olvidado" (1937), seu primeiro livro de contos, é o episódio inicial desse apetite pela Literatura que, em muitas ocasiões, iria transformar-se em episódios fantásticos, invulgares e de gelar o sangue aos leitores.
Casada em 1940 com o já mencionado Adolfo Bioy Casares, as histórias que se contam sobre a sua vida conjugal são superadas pelas aventuras extraconjugais. Dele se diz que a primeira conquista foi aos 11 anos: chamava-se Madeleine e era a governanta de sua casa. Pouco depois, apaixonou-se por uma prima e escreveu mesmo para ela "Iris y Margarita", a sua novela de estreia. Iria envolver-se com diferentes mulheres, de idades e estatutos variados, até conhecer Silvina Ocampo. "A minha mãe costumava dizer que Silvina era a mais inteligente e original das Ocampo, mas nunca suspeitou que me apaixonaria por ela. Quando descobriu, nem queria acreditar", admitiu o escritor numa entrevista, referindo-se à mais nova de seis irmãs. Viveram seis anos juntos antes do casamento, tendo Jorge Luis Borges, amigo do casal, sido uma das testemunhas da cerimónia. Depois, foram ávidos leitores e críticos um do outro, organizando com Borges uma "Antologia da Literatura Fantástica". Quem conheceu Silvina descreve-a como uma mulher à frente do seu tempo, distante de rígidos convencionalismos e de rotinas. Era bissexual e o marido colecionou amantes, entre as quais a própria sobrinha, Genca - de quem se diz que, numa viagem de barco a Nova Iorque com o casal, terá participado num ménage à trois com os tios, embora o episódio seja desmentido por Florencio Basavilbaso, neto de Casares e Silvina - ou Elena Garro, escritora e mulher do escritor mexicano Octavio Paz; teve duas filhas com outras mulheres; Marta, uma das filhas (nasceu em 1954 e morreu em 1994), foi criada como se nascesse do seu relacionamento com Silvina. Conta-se que a poeta Alejandra Pizarnik e Silvina foram intímas, existindo mesmo uma carta da poeta a declarar o seu amor por Ocampo.
Certo é que Silvina Ocampo foi escrevendo e publicando, embora ofuscada pela relevância da irmã mais velha, Victoria, editora (por exemplo, da revista Sur), escritora e tradutora e uma das mulheres mais influentes do seu tempo na Argentina. "A Fúria e Outros Contos", de que aqui se apresenta um excerto, surgiu em 1959 e "Las Invitadas" dois anos mais tarde. Os prémios foram surgindo, não faltaram admiradores: Julio Cortázar, por exemplo, que nunca escondeu a preferência pelo conto "A Casa de Açúcar", inserido no livro que hoje é proposta de leitura, mas também Italo Calvino ou Roberto Bolaño. Alguns dos seus contos tiveram direito a adaptação ao pequeno ou ao grande ecrã, mas só mais tarde a sua obra recebeu o merecido destaque, sobretudo por intervenção de feministas. No jornal Folha de São Paulo, Mariana Enríquez, que escreveu "La Hermana Menor - Un Retrato de Silvina Ocampo", admitiu que Silvina era "uma mulher estranha ao seu tempo".
Antígona/Tradução de Guilherme Pires
O seu amigo Jorge Luis Borges escreveu que Ocampo "vê-nos como se fôssemos feitos de vidro, vê-nos e perdoa-nos".
Na parte final da sua vida, a doença de Alzheimer debilitou-a demasiado. A 14 de dezembro de 1993, terminou o seu percurso. O marido morreria seis anos mais tarde, com 85 anos. Em 2010 seria publicado um romance de Ocampo intitulado "La Promesa".
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