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Paulo Jorge Pereira

"A Relíquia", de Eça de Queiroz

Começar o ano com obra de um dos mais notáveis escritores portugueses pode ajudar-nos a esquecer 2020 e lançar 2021 para que este seja um ano muito melhor. Aqui fica um excerto do livro "A Relíquia", assinalando o regresso de Eça de Queiroz aqui ao blog: a 12 de abril aconteceu a estreia com um trecho do clássico "O Crime do Padre Amaro".



"A Relíquia" é, conforme considerou o próprio autor, uma tentativa de "inquérito à vida portuguesa, crítica ácida e ferina direcionada, especialmente, à questionável influência da Igreja na sociedade e às práticas e crenças religiosas consideradas nefastas para o povo". Publicada em 1877 no Porto, surge seis anos depois das chamadas Conferências do Casino, em que participaram Eça, Antero de Quental, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão e outras personalidades da Cultura da época, constituindo o movimento que ficou conhecido como Geração de 70. Em comum, o grupo de pensadores e escritores tinha uma visão bem nítida acerca de um país retrógrado, assimétrico, provinciano, inculto e em que a miséria, económica e moral, imperava. Não deixaram de identificar diversos fatores como catalisadores dessa situação e assumiram-se como anticlericais, antecipando uma das marcas da futura República.

Mas isto é antecipar demasiado o assunto. Convém lembrar que José Maria de Eça de Queiroz nasceu na Póvoa de Varzim, a 25 de novembro de 1845, filho do juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz e de Carolina Augusta Pereira de Eça, então ainda não casados (iriam casar-se quatro anos depois). Teve os cuidados de Ana Joaquina Leal de Barros, ama-de-leite que seria sua madrinha, até ir viver para casa dos avós maternos em 1849. Estudou no Colégio da Lapa, cuja direção estava a cargo do pai de Ramalho Ortigão, a partir de 1855, aí travando conhecimento com os futuros cunhados, Luís e Manuel Resende. Os estudos universitários começam na Faculdade de Direito de Coimbra em 1861, espaço onde irá tornar-se amigo de Teófilo Braga e Antero de Quental, ao lado de quem estará na Geração de 70. Começa também aí a dedicar-se à escrita de cariz jornalístico e, em 1866, passa a viver na casa dos pais bem no centro de Lisboa ao mesmo tempo que escreve folhetins para o jornal Gazeta de Portugal. Mas fica pouco tempo na capital, pois em dezembro já está a caminho de Évora, onde será fundador do jornal Districto de Évora.

No ano seguinte começa atividade profissional na qualidade de advogado e, no verão, está de regresso a Lisboa, tornando a participar com o seus escritos na Gazeta de Portugal. O Cenáculo nasce perto do fim de 1867 e Eça tem a companhia de José Fontana, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis, Antero de Quental, Oliveira Martins, Salomão Saragga ou Augusto Fuschini, alguns dos quais integram mais tarde a Geração de 70. Com Batalha Reis e Antero de Quental publica, em 1869, no jornal Revolução de setembro, os versos iniciais de Carlos Fradique Mendes. Este é também o ano em que assiste à inauguração do Canal do Suez - tema sobre o qual irá escrever para o Diário de Notícias em 1870 - durante uma viagem que o leva da Palestina à Síria e Egipto. É o primeiro classificado no concurso de cônsul de primeira classe organizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, já depois de ser nomeado administrador do concelho de Leiria e de publicar, também no Diário de Notícias e com a colaboração de Ramalho Ortigão, "O Mistério da Estrada de Sintra".

É também com Ramalho Ortigão que partilha a direção d'As Farpas, cujo número inaugural surge em 1871. Nas Conferências do Casino, Eça é o responsável pela que aborda "A Nova Literatura ou o Realismo como Expressão de Arte". Indigitado cônsul de primeira classe nas Antilhas, toma posse do cargo em Havana perto do fim de 1872 e permanece em funções durante dois anos. Em Cuba conhece as norte-americanas Mollie Bidwel e Anna Conover, de quem irá aproximar-se durante a licença que solicita para deslocações pela América Central, Canadá e Estados Unidos em 1873. Do ano seguinte é a publicação de "Singularidades de uma Rapariga Loura" em simultâneo com a sua passagem para cônsul em Newcastle. É na Revista Ocidental, entre 15 de fevereiro e 15 de maio de 1875, que publica a versão inicial da obra "O Crime do Padre Amaro" e, entretanto, chega ao fim "O Primo Basílio". Torna-se cronista do jornal portuense A Actualidade entre 1877 e 21 de maio de 1878, publicando as "Cartas de Inglaterra". Deste último ano é a publicação com grande êxito de duas edições do livro "O Primo Basílio", mas também uma nova transferência de posto, desta vez para Bristol. Em 1879, "O Conde de Abranhos" (só publicado em 1925, muito depois da morte do escritor) é escrito em Dinan (França), Eça visita ainda Angers (voltará em 1882 e 1884) e, no ano seguinte, nasce a segunda edição da obra "O Crime do Padre Amaro", mas também "O Mandarim", que aparece sob a forma de folhetim no Diário de Portugal, e vários contos em O Atlântico. Cronista do jornal brasileiro Gazeta de Notícias, irá manter essa colaboração até três anos antes de morrer.

Data de 1883 uma nova versão da obra "O Mistério da Estrada de Sintra" e também uma passagem por Portugal que repete no ano seguinte, aproveitando para uma visita à Costa Nova com a condessa de Resende e as duas filhas, Emília e Benedita. Depois de uma visita ao escritor Émile Zola em Paris (1885), pede Emília em casamento e a cerimónia realiza-se a 10 de fevereiro de 1886. Volta a Bristol com Emília e, a 16 de janeiro de 1887, no Porto, nasce a filha Maria. Publica "A Relíquia", a 26 de fevereiro do ano seguinte nasce, em Londres, o segundo filho, José Maria, sendo Eça de Queiroz designado cônsul em Paris no mês de agosto (só assumirá a 20 de setembro). Não deixa de escrever e publica "Os Maias", mas também várias "Cartas de Fradique Mendes", neste caso no jornal Repórter (Porto). Vencidos da Vida é o nome de um grupo formado por mais de uma dezena de personalidades ligadas à Cultura e Eça passa a integrá-lo em 1889, ano em que nasce António, o seu terceiro filho.

Escreve contra o Ultimato inglês em 1890 na Revista de Portugal, cerca de um mês depois de perder a sogra, situação que o leva a passar vários meses em solo português. Continua o seu trabalho literário e tem novas publicações quando, a 6 de abril de 1891, nasce Alberto, o seu quarto filho. Realiza diversas viagens, uma delas em Portugal que irá inspirá-lo para "A Cidade e as Serras". Escreve e publica diversas histórias, viaja e, em 1896, é agraciado com a Legião de Honra em França. Passa por problemas de saúde, tal como os filhos, ao mesmo tempo que avança em vários livros. Mas a degradação da saúde não o deixa e, poucos dias depois de voltar a Paris vindo de território suíço, acaba por morrer a 16 de agosto de 1900. "A Ilustre Casa de Ramires" e "A Cidade e as Serras" são apenas dois exemplos de livros seus com publicação póstuma.

Para lá das diversas adaptações de obras de Eça de Queiroz ao teatro, cinema e bailado, é recente a série "O Nosso Cônsul em Havana" - estreou-se em 2019 e foi mais tarde transformada em filme.


Edições Livros do Brasil


A portuense Typographia de A. J. da Silva Teixeira foi a responsável, em 1887, pela publicação da obra "A Relíquia".

Eça de Queiroz teve a primeira abordagem aqui no blog a 12 de abril, então a propósito do livro "O Crime do Padre Amaro", cuja adaptação ao grande ecrã em 2002 foi rodeada de controvérsia. Era uma coprodução entre México, França, Espanha e Argentina, com Gael García Bernal como protagonista e realização de Carlos Carrera. Três anos mais tarde seria um dos sucessos do cinema português, com Carlos Coelho da Silva como realizador e um elenco que incluía, além da estreante Soraia Chaves, Jorge Corrula, Nicolau Breyner, Nuno Melo, Ana Bustorff, Cláudia Semedo, Ruy de Carvalho, João Lagarto, Diogo Morgado, Rogério Samora, Manuel Esparteiro, entre outros. Aqui está a apresentação. O romance começara por ser apresentado na Revista Ocidental em 1875, acabando por ser publicado sob a forma de livro no ano seguinte.

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