É com o livro de John Williams ganhador do National Book Award e intitulado "Augustus" que Agostinho Costa Sousa apresenta a proposta de leitura para hoje.
Estaria demasiado à frente do seu tempo? Ou não seria uma questão de tempo, mas sim de estilo? Por que razão deveria interessar à América dos anos 60 a história de um professor universitário de Literatura que faz da vida uma sucessão de etapas cumpridas como se estivesse a preencher o mais aborrecido dos formulários? Perguntas que podem ter respostas variadas. Até mesmo a última, embora neste caso exista pelo menos uma sugestão interessante, vinda de Edwin Frank, que reeditou para a New York Review of Books Classics em 2006 o livro primeiramente publicado em 1965: "Embora aborde um homem com uma vida absolutamente normal, essa vida tem a riqueza característica da de cada um de nós." É uma das perspetivas possíveis...
Certo é que, na altura em que foi publicada, a obra teve vendas na ordem dos dois mil exemplares. Décadas mais tarde, a escritora premiada e professora Anna Gavalda (autora de livros como "Queria Ter Alguém à Minha Espera num Sítio Qualquer", "Eu Amava-a", "Enfim, Juntos" ou "Nunca se É Completamente Feliz") começou por lê-lo em inglês e, depois, resolveu traduzi-lo. E o fenómeno produziu-se: o livro ganhou leitores, conquistou autores famosos, multiplicou vendas como parecera impossível e, de súbito, estava traduzido para tantos idiomas que já chegara às mãos de um milhão de compradores. Demorara, mas a história do quase invisível professor de Literatura derrubara, enfim, todas as barreiras e chegara ao lugar merecido. "Sinto que podia ter sido eu a escrevê-lo", admitiu Gavalda, destacando ainda uma outra questão que assoma a todos quantos procuram a história do escritor depois de lido o livro: é que, no narrador de "Stoner", que aqui apresentei a 11 de fevereiro do ano passado, muito há do próprio autor.
John Edward Williams, nascido em 1922, não assistiu a esta imparável onda de sucesso, pois morreu em 1994. Escrito assim, até parece a forma como o começo do livro nos sintetiza a vida de William Stoner. Mas não. Williams viveu no Texas nos anos iniciais da sua vida como neto de agricultores, dedicando-se à comunicação primeiro nas rádios e mais tarde em jornais. A II Guerra Mundial levou-o, em 1942, para os combates na Força Aérea como sargento e por passagens pela Índia e pela Birmânia. Voltou a tempo de terminar os estudos universitários em Denver, doutorando-se depois em Literatura Inglesa na Universidade do Missouri. Antes da publicação de "Stoner", no mesmo ano em que ajudou a fundar o jornal literário "The Denver Quarterly", John Edward Williams apresentou "Nothing but the Night" (1948) e "Butcher's Crossing" (1960), surgindo "Augustus" em 1972 - com este, de que hoje é apresentado aqui um trecho por Agostinho Costa Sousa, ganhou direito ao National Book Award, mas em igualdade com "Chimera", de John Barth. "Augustus" é um hábil tesouro literário em que o autor coloca Octávio, herdeiro do imperador Júlio César, no centro das atenções, mas concedendo-lhe a palavra somente no final - até aí, recorre a uma série de argumentos (biografias, cartas, memórias ou mesmo éditos de figuras como Cleópatra, Marco António, Cícero ou Estrabão.
Ao mesmo tempo que escrevia, Williams ia lecionando. Fê-lo até 1985, momento que escolheu para se afastar do ensino. Nove anos mais tarde, trabalhava na publicação de um quinto romance quando a morte o surpreendeu, a 5 de março de 1994, vítima de falha respiratória. Mais uma falha na sua vida, a derradeira. Constou que não se sentia velho. A vida simplesmente passara por ele. E a Literatura também.
D. Quixote
"Tarde. O sol está brilhante, quente; dez ou doze oficiais e nós, numa colina, a olharmos lá para baixo, para as manobras da cavalaria no campo", escreve Williams em "Augustus".
Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. "A Arquitetura é a minha mulher legítima, a Leitura é uma das ilegítimas", refere. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No passado dia 25 de julho, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías, seguindo-se "Zadig ou o Destino", de Voltaire, a 28. O regresso processou-se a 6 de setembro, com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai. Seguiram-se "Histórias de Cronópios e de Famas", de Julio Cortázar, no dia 8; "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano, a 11; "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, a 14; e "Um Amor", de Sara Mesa, no dia 16. A 19 de setembro, a leitura escolhida foi "Ajudar a Estender Pontes", de Julio Cortázar. A 17 de outubro, a proposta centrou-se na poesia de José Carlos Barros com três poemas do livro "Penélope Escreve a Ulisses". Três dias mais tarde leu três poemas inseridos na obra "A Axila de Egon Schiele", de André Tecedeiro. A 29 de novembro apresentou "Inquérito à Arquitetura Popular Angolana", de José Tolentino de Mendonça. De dia 1 do mês seguinte é a leitura de "Trieste", escrito pela croata Dasa Drndic e, no dia 3, a proposta foi um trecho do livro "Civilizações", escrito por Laurent Binet. No dia 5, Agostinho Costa Sousa dedicou atenção a "Viagens", de Olga Tokarczuk. A 7, a obra "Húmus", de Raul Brandão, foi a proposta apresentada. Dois dias mais tarde, a leitura foi dedicada a um trecho do livro "Duas Solidões - O Romance na América Latina", com Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Seguiu-se "O Filho", de Eduardo Galeano, no dia 20. A 23, Agostinho Costa Sousa trouxe "O Vício dos Livros", de Afonso Cruz. Voltou um mês mais tarde com "Esta Gente/Essa Gente", poema de Ana Hatherly. No dia 26 de janeiro, apresentou "Escrever", de Stephen King. Quatro dias mais tarde foi a vez de Maria Gabriela Llansol com "O Azul Imperfeito". "Poemas e Fragmentos", de Safo, e "O Poema Pouco Original do Medo", de Alexandre O'Neill, foram outras recentes participações. Seguiram-se "Se Isto É Um Homem", de Primo Levi, e "Se Isto É Uma Mulher", de Sarah Helm.
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