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Paulo Jorge Pereira

Agostinho Costa Sousa lê "Cartas 1955-1964, volume II", de Julio Cortázar

Já por aqui passou, por exemplo, na voz de Inês Henriques com "Papéis Inesperados", ou na de Agostinho Costa Sousa, neste caso com "Histórias de Cronópios e de Famas" e "Ajudar a Estender Pontes", crónica integrada em "Papéis Inesperados". A sugestão também já foi um excerto do livro "As Armas Secretas", do argentino Julio Cortázar. Agoa está de regresso com Agostinho Costa Sousa e "Cartas 1955-1964, volume II" é o centro da leitura que propõe.



Contos e, em geral, narrativas de fôlego mais curto, sempre com imaginação sem limites, são os principais argumentos da escrita do argentino Julio Florencio Cortázar, nascido na localidade belga de Ixelles, parte da região da capital, Bruxelas, a 26 de agosto de 1914. Mas não é possível menosprezar as inovações do seu trabalho literário também em exemplos do género romance, surgindo "O Jogo do Mundo - Rayuela" como principal trunfo num percurso em que, ao lado de escritores como Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, Octavio Paz ou Carlos Fuentes, integrou o designado boom da Literatura latino-americana nas décadas de 60 e 70. Em disco de que pode escutar-se aqui um pequeno trecho, a sua voz ficou registada para a imortalidade na leitura de alguns pequenos registos inéditos, conforme fez questão de indicar na gravação.

Tinha apenas três anos e já estava de volta ao país natal com a família, passando a viver com a mãe, a tia e a avó após a separação dos pais - esta influência feminina mais próxima e permanente ao longo da sua infância teria reflexos não só no seu modo de olhar o mundo, mas também na sua literatura. Sobre esses tempos falaria por diversas vezes e as suas afirmações seriam reunidas pela viúva, Aurora Bernárdez e pelo seu colaborador Carles Álvarez, em livro de 2014, "Cortázar de la A a la Z", assinalando o centenário do seu nascimento e os 30 anos sobre a sua morte: "Fui enfermizo y tímido, con una vocación para lo mágico y lo excepcional, que me convertía en la víctima natural de mis compañeros de escuela más realistas que yo. Pasé mi infancia en una bruma de duendes, elfos, con un sentido del espacio y del tiempo distinto al de los demás."

Na mesma obra, outra citação faz referência à forma como se recordava do lugar onde vivia: "Mi casa, vista desde la perspectiva de la infancia, era también gótica, no por su arquitectura sino por la acumulación de terrores que nacía de las cosas y de las creencias, de los pasillos mal iluminados y de las conversaciones de los grandes en la sobremesa." E, claro, das primeiras impressões acerca do sedutor, fascinante e assustador universo dos livros à sua volta. "Gente simple, las lecturas y las supersticiones permeaban una realidad mal definida, y desde muy pequeño me enteré de que el lobizón salía en las noches de luna llena, que la mandrágora era un fruto de la horca, que en los cementerios ocurrían cosas horripilantes, que a los muertos les crecían interminablemente las uñas y el pelo, y que en nuestra casa había un sótano al que nadie se atrevería a bajar jamás. Curiosamente, esa familia dada a los peores recuentos del espanto tenía a la vez el culto del coraje viril, y desde chico se me exigieron expediciones nocturnas destinadas a templarme, mi dormitorio fue un altillo alumbrado por un cabo de vela al término de una escalera donde siempre me esperó el miedo vestido de vampiro o de fantasma."

Quando lhe falavam sobre livros e de como fora o seu primeiro contacto com as leituras, Cortázar contava, conforme recorda a obra de 2014: "Nadie seleccionó para mí los libros que debía leer, nadie se inquietó de que lo sobrenatural y lo fantástico se me impusieran con la misma validez que los principios de la física." Mas a vida literária de Julio Cortázar não seria fácil. Primeiro, em 1935, tornou-se professor e espreitou o boxe como prática. Publicou poesia para a estreia, em 1938, mas o livro "Presencia" foi assinado com o pseudónimo de Julio Denis. Tornou-se docente universitário, escreveu "La Otra Orilla" (1945) e percorreu parte da Argentina nas suas funções educativas, mas a chegada de Perón ao poder levou-o a demitir-se e procurar um lugar na Câmara do Livro em Buenos Aires como tradutor. Publicou "Los Reyes" (1949), uma peça de teatro, até que, sentindo-se asfixiado pelo peronismo, incomodado com aquilo que via como "domínio do pensamento único", Cortázar decidiu que teria de abandonar o país e aproveitou a oportunidade de uma bolsa concedida pelo Governo francês para rumar a Paris em 1951. Acabaria por fixar-se na capital francesa, conjugando a escrita literária com a atividade como tradutor para a UNESCO. Dois anos depois da chegada a França casou-se com a tradutora argentina Aurora Bernárdez, desmultiplicando-se ambos em diferentes iniciativas para superar os problemas económicos do casal - uma delas seria a missão de traduzir os livros de Edgar Allan Poe.

As suas dificuldades financeiras assumiam tal dimensão que, no começo de 1955, contou mesmo a um amigo que recebera "12 pesos nos últimos seis meses", correspondentes à venda de exemplares de "Bestiário", a sua obra de 1951. Mas a sua sorte estava prestes a mudar, já depois dos livros de contos "Final del Juego" (1956) e "Las Armas Secretas" (1959), este com um conto ("Las Babas del Diablo") que iria inspirar o realizador italiano Michelangelo Antonioni para o filme "Blow-up", de 1966, com Vanessa Redgrave, David Hemmings e Sarah Miles. Conhece o galego Francisco "Paco" Porrúa, editor que travara conhecimento com "Bestiário" quase por acaso no ano de 1958 e, em 1960, depois de publicar "Los Premios", conta-lhe que está a preparar algo que ele próprio classifica como "um livro insólito e que vai surpreender os editores". Porrúa seria não só o responsável pela edição dessa obra, o já citado "O Jogo do Mundo - Rayuela", em 1963, mas nos anos que se seguiram pela publicação do trabalho de Cortázar e por um aconselhamento que tantas vezes se revelou determinante para o escritor. Um ano antes, porém, publicara outra das suas criações eternas, "Histórias de Cronópios e de Famas", na qual cria personagens que se tornam inolvidáveis.

É dessa fase o seu maior empenhamento político, manifestando pública posições contra as ditaduras dos países latino-americanos. Visita Cuba com a mulher (e começa aqui o seu progressivo afastamento, uma vez que Aurora Bernárdez voltara muito desiludida com aquilo que vira), publica "Carta a una Señorita en Paris" (1963), "La Autopista del Sur" (1964), "Todos los Fuegos el Fuego" (1966), "La Vuelta al Día en Ochenta Mundos", "El Perseguidor e Otros Cuentos" e "Buenos Aires, Buenos Aires" (todos em 1967).

No plano sentimental, a vida com Aurora Bernárdez sofre um abalo mais forte com um primeiro distanciamento, vivendo cada qual em sua casa. Mas, de súbito, Cortázar fala-lhe em refazer a vida com Ugné Karvelis, escritora, sua agente literária na Gallimard e também tradutora da UNESCO, nascida a meio dos anos 30 na Lituânia (que viria a ser integrada na então União Soviética em 1940). Ainda assim, a sua relação de proximidade e amizade não se deteriorou, nem mesmo quando o escritor lhe pediu o divórcio para se casar com Carol Dunlop.

Seguem-se "62/Modelo para Armar" (1968), "Casa Tomada" e "Ultimo Round" (ambos em 1969) e, em 1970, visita o Chile para assistir à tomada de posse do Presidente Salvador Allende, já ao lado da sua segunda companheira. Desse ano de 1970 é a publicação de "Relatos" e "Viaje Alredor de una Mesa" e, sendo uma das vozes que se erguem a fazer perguntas sobre o destino do poeta Heberto Padilla que desaparecera sob o regime castrista, é considerado persona non grata por Fidel Castro a partir de 71. Continua a escrever, publica "La Isla a Mediodía e Otros Relatos" e "Pameos e Meopas" (os dois nesse ano de 1971), "Prosa del Observatorio" (1972), "La Casilla de los Morelli" e "Libro de Manuel" (ambos em 1973). Este último é agraciado com o Prémio Médicis e Cortázar usa o dinheiro das vendas em defesa dos presos políticos da ditadura na Argentina. Permanece o seu empenhamento político, situação que o leva em viagens à Costa Rica e à Nicarágua. Apesar desta intensa atividade, nunca se afasta da escrita e, sobretudo, dos livros de contos, mas não só. Publica "Octaedro" (1974), visita os Estados Unidos e dá palestras em Berkeley. Seguem-se "Fantomas Contra los Vampiros Multinacionales" (1975), "Estrictamente No Profesional" (1976), "Alguien que Anda por Ahí (1977), "Territorios" (1979), "Un tal Lucas" (também em 1979) e "Queremos tanto a Glenda (1980). Em 1981, a debilidade da sua saúde dá os primeiros sinais, pois o escritor sofre uma hemorragia abdominal.

Depois de passar por um internamento, não abranda o ritmo. Escreve "Deshoras" e "Los Autonautas de la Cosmopista" (ambos em 1982), neste caso já em parceria com a escritora canadiana Carol Dunlop, a quem conhecera em 1977 e com quem se casara em 1981 (ano em que recebeu a nacionalidade francesa, embora nunca desista da argentina). Mas 1982 fica marcado de forma trágica, uma vez que Dunlop morre a 2 de novembro, vítima de aplasia medular (embora haja outras versões a referir que teria sido vítima de Sida, transmitida alegadamente por Cortázar, que teria contraído o vírus depois de uma transfusão de sangue recebida em França), e o desgosto do escritor é profundo. Aurora Bernárdez foi um apoio constante, ainda durante a doença de Carol Dunlop. "Nicaragua tan Violentamente Dulce" é de 1983, o mesmo ano em que visita a Argentina pela última vez, então já sob a democracia com a eleição de Raúl Alfonsín para a presidência. "Silvalandia" e "Salvo el Crepúsculo" são ambos de 1984. Quando é diagnosticada leucemia a Cortázar, Aurora Bernárdez não deixa de estar ao seu lado e irá ajudá-lo até ao fim, a 12 de fevereiro de 1984.

A publicação das obras de Cortázar a título póstumo, incluindo "Papéis Inesperados", livro de que aqui Inês Henriques apresentou um texto, é já da responsabilidade de Bernárdez, declarada sua herdeira única e também protagonista da organização de toda a sua correspondência, cuja primeira edição remonta a 2000, tendo depois sido revista e aumentada com mais de mil novas cartas em 2012. "Cortázar de la A a la Z" é a sua derradeira tarefa em 2014 - à saída de uma visita ao médico, a 5 de novembro desse ano, Aurora Bernárdez sofre um AVC. Transportada ao hospital, entra em coma e morre no dia 8 com 94 anos.


Alfaguara


O trabalho literário do escritor argentino já passou por aqui, por exemplo, no Especial dedicado ao Dia Mundial da Leitura em Voz Alta, em fevereiro do ano passado, e por iniciativa de Inês Henriques.

Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio de 2021 com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No dia 25 de julho, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías, seguindo-se "Zadig ou o Destino", de Voltaire, a 28. O regresso processou-se a 6 de setembro, com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai. Seguiram-se "Histórias de Cronópios e de Famas", de Julio Cortázar, no dia 8; "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano, a 11; "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, a 14; e "Um Amor", de Sara Mesa, no dia 16. A 19 de setembro, a leitura escolhida foi "Ajudar a Estender Pontes", de Julio Cortázar. A 17 de outubro, a proposta centrou-se na poesia de José Carlos Barros com três poemas do livro "Penélope Escreve a Ulisses". Três dias mais tarde leu três poemas inseridos na obra "A Axila de Egon Schiele", de André Tecedeiro.

A 29 de novembro apresentou "Inquérito à Arquitetura Popular Angolana", de José Tolentino de Mendonça. De dia 1 do mês seguinte é a leitura de "Trieste", escrito pela croata Dasa Drndic e, no dia 3, a proposta foi um trecho do livro "Civilizações", escrito por Laurent Binet. No dia 5, Agostinho Costa Sousa dedicou atenção a "Viagens", de Olga Tokarczuk. A 7, a obra "Húmus", de Raul Brandão, foi a proposta apresentada. Dois dias mais tarde, a leitura foi dedicada a um trecho do livro "Duas Solidões - O Romance na América Latina", com Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Seguiu-se "O Filho", de Eduardo Galeano, no dia 20. A 23, Agostinho Costa Sousa trouxe "O Vício dos Livros", de Afonso Cruz. Voltou um mês mais tarde com "Esta Gente/Essa Gente", poema de Ana Hatherly. No dia 26 de janeiro, apresentou "Escrever", de Stephen King. Quatro dias mais tarde foi a vez de Maria Gabriela Llansol com "O Azul Imperfeito". "Poemas e Fragmentos", de Safo, e "O Poema Pouco Original do Medo", de Alexandre O'Neill, foram outras recentes participações. Seguiram-se "Se Isto É Um Homem", de Primo Levi, e "Se Isto É Uma Mulher", de Sarah Helm. No dia 18 de março, a leitura proposta foi de um excerto de "Augustus", de John Williams. A 24, Agostinho Costa Sousa leu "Silêncio na Era do Ruído", de Erling Kagge; a 13 de abril, foi a vez do poema "Guernica", de Rui Caeiro e, no dia 20, apresentou um pouco de "Great Jones Street", de Don DeLillo.

No Especial dedicado ao 25 de Abril, a sua escolha foi para "O Sangue a Ranger nas Curvas Apertadas do Coração", escrito por Rui Caeiro, seguindo-se "Ararat", de Louise Glück, no Dia da Mãe e do Trabalhador, a 1 de maio. "Ver: Amor", de David Grossman, foi a proposta de dia 17. No dia 23, a leitura proposta trouxe Elias Canetti com um pouco da obra "O Archote no Ouvido".

A 31 de maio surgiu com "A Borboleta", de Tonino Guerra. A 5 de junho trouxe um excerto do livro "Primeiro Amor, Últimos Ritos", de Ian McEwan. A 17, a escolha recaiu sobre "Hamnet", de Maggie O'Farrell. A 10 de julho, o trecho selecionado saiu da obra "Ofuscante - A Asa Esquerda", do romeno Mircea Cartarescu. No dia 19 de julho apresentou "Uma Caneca de Tinta Irlandesa", de Flann O'Brien. A 31 de julho leu um trecho da obra "Por Cuenta Propia - Leer y Escribir", de Rafael Chirbes. No dia 8 de agosto foi a vez de "No Entres Docilmente en Esa Noche Quieta", de Ricardo Menéndez Salmón. A 15 de agosto apresentou "Julio Cortázar y Cris", de Cristina Peri Rossi. Uma semana mais tarde, a leitura foi de um trecho da obra "Música, Só Música", de Haruki Murakami e Seiji Ozawa. De 12 de setembro é a sua leitura de um poema do livro "Do Mundo", cujo autor é Herberto Helder. "Instruções para Engolir a Fúria", de João Luís Barreto Guimarães, foi a leitura a 16 de setembro e já aqui regressou. A 6 de outubro leu um trecho da obra "Jakob, O Mentiroso", de Jurek Becker.

"Rebeldes", de Sándor Márai, foi a leitura do dia 11. Mircea Cartarescu e "Duas Formas de Felicidade" surgiram dois dias mais tarde. Seguiu-se "Diários", do poeta Al Berto, a 17 de outubro. Três dias mais tarde propôs "A Herança de Eszter", de Sándor Márai. A 2 de novembro apresentou "Os Irmãos Karamazov", de Fiódor Dostoiévski. Data de 22 de novembro a leitura de "Nicanor Parra: Rey y Mendigo", de Rafael Gumucio. A 30 de novembro leu "Schiu", de Tonino Guerra. No passado dia 12 trouxe "Montaigne", de Stefan Zweig. Recuperei a sua leitura do poema "Instruções para Engolir a Fúria" no dia 16 quando o autor, João Luís Barreto Guimarães, foi distinguido com o Prémio Pessoa. A 23 apresentou um excerto de "Silêncio na Era do Ruído", de Erling Kagge. No dia 6 de janeiro a escolha recaiu sobre "Lições", de Ian McEwan. A 16 de janeiro apresentou "Stalinegrado", de Vasily Grossman. No dia 30 leu um excerto da obra "A Biblioteca à Noite", de Alberto Manguel. De 7 de fevereiro é a leitura de "Remodelações Governamentais", de Mário-Henrique Leiria. A proposta de dia 22 de fevereiro foi "Roseira de Espinho", de Nuno Júdice. No dia 7 de março propôs "Método de Caligrafia para a Mão Esquerda", de António Cabrita. No Especial dedicado ao Dia Mundial do Teatro, a 27 de março, apresentou "Memórias", de Raul Brandão. De 30 de março é a leitura de um trecho da obra "Rebeldes", de Sándor Márai. A 10 de abril propôs "O Amante da Minha Mãe", de Urs Widmer. De 21 de abril é a leitura de um trecho do conto "A Primavera", escrito por Bruno Schulz. Do Especial dedicado ao 25 de Abril constaram poemas de Sara Duarte Brandão. A 2 de maio propôs "A Musa Irregular", de Fernando Assis Pacheco. "Ravel", de Jean Echenoz, é de 6 de junho.

"Tristia", de António Cabrita, foi a sua leitura a 9 de junho. A 23 leu "Foi Ele?", de Stefan Zweig.

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