O livro que retrata a conversa entre Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa, em Lima, no Peru, no início de setembro de 1967, é a proposta de hoje, apresentada por Agostinho Costa Sousa.
Quando se encontraram para conversar na capital do Peru, em Lima, no princípio de setembro de 1967, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa eram nomes promissores da literatura latino-americana, mas o Nobel que conquistariam estava ainda distante (o colombiano venceu em 1982, o peruano foi agraciado em 2010). Mas esse diálogo seria marcante e agora a conversa é recuperada em livro, numa obra onde também estão textos e testemunhos de diversos teores, alguns vindos de quem acompanhou esse momento. Na lista de participantes no livro incluem-se Juan Gabriel Vásquez, Luis Rodríguez Pastor, José Miguel Oviedo, Abelardo Oquendo, Abelardo Sánchez León e Ricardo González Vigil.
Ambos os escritores têm sido presença constante aqui no blog. É de "Cem Anos de Solidão" que se parte para compreender melhor como agia o colombiano García Márquez no seu ofício de escrita. Construía as suas histórias de um modo enleante, prendendo os leitores à narrativa através da fusão de elementos fantásticos com a realidade, estratégia que levou os analistas a classificá-lo como um dos principais autores do realismo mágico. "Gabo", como era tratado pelos mais próximos, sempre referiu ser devedor, acima de tudo, do mexicano Juan Rulfo - autor, entre outros, de "Pedro Páramo" e "A Planície em Chamas" -, uma vez que só depois de ler o seu trabalho encontrou "o caminho que procurava para continuar" os seus livros. Conforme contou numa homenagem ao escritor, "tinha 32 anos, uma carreira jornalística efémera na Colômbia, acabava de passar três anos muito úteis e duros em Paris, vários meses em Nova Iorque e queria fazer guiões de cinema no México". Chegara à capital mexicana "no mesmo 2 de julho de 1961 em que Hemingway disparou" contra si o tiro fatal. Estavam decorridos seis anos desde que publicara o primeiro romance, "A Revoada", guardava no apartamento de um prédio sem elevador na rua Renán em que vivia com a mulher e um filho pequeno aquilo a que chamava "livros clandestinos", ou seja, que ainda não tinham chegado em quantidade suficiente aos leitores: "Ninguém Escreve ao Coronel", "A Hora Má" e "Os Funerais da Mamã Grande". Quando leu "Pedro Páramo" e "A Planície em Chamas", que o escritor Álvaro Mutis lhe entregara com a recomendação de que aprendesse alguma coisa, percebeu que ficara enfeitiçado: a sua vida mudara e os seus livros seriam para sempre diferentes.
Foi por causa do amigo Álvaro Mutis, que estava a escrever um livro intitulado "O Último Rosto", no qual abordava a derradeira e incompleta viagem de Bolívar no rio Magdalena em 1830, que García Márquez tomou a decisão de construir uma história sobre os últimos dias da vida de Simón Bolívar. Não se sentia satisfeito e considerava que os historiadores "nunca disseram nas biografias se Bolívar cantava ou se constipava, pois nunca pensaram nestes elementos como algo de importante". Passou dois anos a investigar as cartas do próprio, jornais do século XIX e, claro, os 34 volumes de memórias do general irlandês Daniel Florencio O'Leary, assistente do herói das independências da América Latina. Dada a dimensão do projeto, o colombiano precisou de ajuda e teve apoios: Gladstone Oliva (geógrafo), Eugenio Gutiérrez Celys e Vinicio Romero Martínez (historiadores) e ainda Jorge Pérez Doval (astrónomo).
As exigências na escrita deste romance foram qualquer coisa de invulgar. De tal forma que García Márquez teve sete versões antes de dar o livro por concluído, passando por atentas revisões que encontraram falhas de cariz histórico, erros ortográficos ou até partes que colidiam com outras, tornando ambíguos e por vezes sem sentido capítulos inteiros do livro. Finalmente, em 1989, o escritor considerou que chegava a hora de publicar e deixar aos leitores a tarefa de apreciarem devidamente o seu trabalho. Como de costume, milhões gostaram e compraram, quase outros tantos criticaram e alguns até acusaram o autor de ser ofensivo com a imagem sempre transmitida de Simón Bolívar. No final, "O General no seu Labirinto" tornou-se mais um dos sucessos de Gabo e Mutis regozijou-se porque fora dos primeiros a ler e logo lhe anunciara que a obra era "maravilhosa".
Antes desta obra, a leitura apresentada de um livro de Gabriel García Márquez fora "A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile". O realizador Miguel Ernesto Littín Cucumides, de ascendência grega e palestiniana, fez parte de uma extensa lista negra, com cerca de cinco mil nomes de exilados, que a selvagem ditadura de Pinochet vigiava para que não pudessem voltar ao país natal.
E, no entanto, em 1985, Littín, que fora nomeado pelo Presidente Salvador Allende para dirigir a Chile Films em 1971 e, depois do golpe de Estado de Pinochet e do assassínio de Allende, a 11 de setembro de 1973, se refugiara no México, ousou regressar. E a sua enorme coragem levou-o a percorrer o país, apesar de todos os riscos que corria, registando em mais de sete mil metros de filme os resultados de 12 anos de opressão e brutalidade no Chile. Os documentos falsos, uma série de disfarces e diversas organizações de defesa dos Direitos Humanos permitiram-lhe orientar três diferentes equipas europeias de cinema com escalas nos mais variados pontos do vasto território chileno. O resultado final traduziu-se num documentário de denúncia das inúmeras violações que se registavam no pobre Chile desse tempo, intitulado "Ata Geral do Chile": na televisão o trabalho tinha a duração de quatro horas, enquanto para cinema se tratava de um filme com 120 minutos. Ao ter conhecimento do incrível feito de Littín e com o seu apurado instinto jornalístico, Gabriel García Márquez resolveu escrever um livro que, mais do que um romance narrado na primeira pessoa, é uma reportagem invulgar e exigiu 18 horas de conversas para que nenhum pormenor se perdesse. Autor de quase duas dezenas de películas, Littín voltou ao Chile quando a democracia foi restaurada e, aos 78 anos, embora não tenha deixado de trabalhar no estrangeiro, é lá que continua a viver.
Porém, D. Gabriel Eligio García, pai de García Márquez, tinha uma outra explicação para o estrondoso sucesso do filho: "Tinha uma capacidade para inventar além da realidade que via. Eu sempre disse que tinha dois cérebros", explicava, conforme escreveu o diário El País. Gabriel nascera a 6 de março de 1927, o mais velho dos 11 filhos de Eligio García e Luisa Santiago. Tinha apenas dois anos quando a família se mudou para Barranquilla, mas ele ficou até aos oito anos com os avós maternos - o coronel e veterano de guerra Nicolás Ricardo Márquez Mejía e Tranquilina Iguarán. Quem conhece "Cem Anos de Solidão" e as suas personagens percebe bem a influência que os dois exerceram sobre o futuro escritor genial, sobretudo as histórias que o velho coronel lhe contou acerca da Guerra dos Mil Dias. A morte do avô devolveu-o ao convívio com pais e irmãos em Barranquilla, onde Gabriel iria estudar e ler muito. Já ensaiava poemas, escreveu no jornal do Liceu de Zipaquirá e sentiu-se impressionado sobretudo com "A Metamorfose", de Franz Kafka. Era um adolescente quando, no começo da década de 40, pouco depois de publicar um texto no suplemento literário do jornal El Tiempo, conheceu uma menina com nove anos, Mercedes Barcha (que seria sua mulher de 1958 até à morte do escritor em 2014). Perto do final dos anos 40, García Márquez tornou-se estudante universitário, tudo parecia indicar que iria licenciar-se em Direito e Ciências Políticas em Bogotá. Mas a imaginação fervilhante e a paixão por jornalismo, a que décadas mais tarde chamaria "a melhor profissão do mundo", intrometeram-se e, em 1948, Cartagena das Índias recebeu-o para um novo futuro. Seria repórter em jornais como El Universal, El Heraldo e El Espectador, tomando contacto com enorme diversidade de ambientes.
Correspondente internacional, começa a descoberta da Europa em 1955, numa longa viagem de avião com escalas que incluem Açores, Lisboa, Madrid e Paris. De comboio ruma a Genebra, um entre dois mil jornalistas que iam seguir a conferência entre Nikolai Bulganin (URSS), Anthony Eden (Reino Unido), Edgar Faure (França) e Dwight Eisenhower (EUA). Seguiram-se Roma, capital de um país que o fascinava, e Veneza, onde acompanhou o festival de cinema. Em setembro de 1955 chegou a Viena de comboio e, porque em Veneza conseguira um convite para o Congresso Internacional de Cinema na Polónia, aproveitou a oportunidade para conhecer o lado de lá da Cortina de Ferro, englobando a então Checoslováquia (dois anos depois, durante o verão, vai também à RDA, a Moscovo e à Hungria, esta última a viver já sob os efeitos do esmagamento da Revolução por tropas soviéticas em 1956, publicando artigos sobre os vários países em 1959). Quando voltou para Itália dedicou-se a um curso de realização de cinema na Cinecittà, mas a partir de dezembro de 1955 ruma a Paris, onde irá conviver com inúmeros escritores latino-americanos exilados por causa das ditaduras durante cerca de dois anos. Aprofunda a amizade com Plinio Apuleyo Mendoza que o apresenta ao poeta Nicolás Guillén e ao jornalista venezuelano Miguel Otero Silva. Escreve e recebe cartas de Mercedes até três vezes por semana, prepara os primeiros passos do romance "A Hora Má" (que só será publicado em 1962), e "Ninguém Escreve ao Coronel", mas, como o jornal para onde escrevia fora encerrado, vive instabilidade e enormes dificuldades financeiras, chegando a passar fome em 1957. Canta numa discoteca e recebe ajuda dos amigos para sobreviver. Em plena crise da Argélia, por vezes é agredido e detido pela polícia. Reequilibra-se com dinheiro emprestado por amigos e, em novembro, viaja para Londres, escrevendo alguns dos contos que entrariam na obra "Os Funerais da Mamã Grande". Recebe convite para trabalhar na revista Momento na Venezuela e para lá viaja em dezembro, ausentando-se no início de 1958 para se casar.
Regressa a Barranquilla e casa-se com Mercedes, de quem teria os filhos Rodrigo e Gonzalo, a 21 de março de 1958. Juntos viajam para Caracas e ele retoma o trabalho na revista, mas afasta-se em solidariedade com outro jornalista, na sequência de um incidente durante a visita de Richard Nixon, então vice-presidente norte-americano. Será Plinio Mendoza a ajudá-lo novamente com um emprego na revista Elite. Interessado no movimento que Fidel Castro iniciara em Cuba para derrubar Batista, García Márquez entrevistara Emma, irmã de Fidel, em abril de 1958. Não perdera o rasto a Fidel e, em janeiro de 1959, duas semanas depois da entrada vitoriosa de Castro em Havana, seguiu com Apuleyo Mendoza para a capital cubana, onde mergulharam no ambiente da revolução. Voltaram para Caracas, Mendoza ficou pouco tempo e regressou a Bogotá, onde foi contactado para abrir uma filial da Prensa Latina, agência noticiosa favorável à revolução cubana, e convidou o amigo. García Márquez irá visitar Havana por diversas vezes nos meses seguintes, intensificando quer o trabalho na agência, quer a aproximação a Castro.
Em janeiro de 1961, após falharem a abertura de filial no Canadá, concretizam a ideia em Nova Iorque, onde García Márquez se instala com a mulher e o filho Rodrigo, nascido em agosto de 1959. Ficam apenas cinco meses, recebendo inúmeras ameaças dos refugiados cubanos. Pouco depois da invasão da Baía dos Porcos, em abril, o escritório da Prensa Latina foi ocupado por elementos da chamada linha dura cubana e García Márquez demitiu-se. Outra vez sem dinheiro, situação agora agravada por estar com a mulher e o filho, viaja em junho para o México, onde acabará por fixar a sua residência em 1981, depois de ser acusado de financiar o grupo guerrilheiro M-19. Está outra vez com problemas financeiros, tentando sem sucesso entrar no cinema mexicano através da escrita de argumentos, quando Álvaro Mutis lhe apresenta Gustavo Alatriste e, por intermédio deste, passa a dirigir uma revista feminina (La Familia) e Sucesos para Todos, jornal de crimes e escândalos, sob a condição de o seu nome não surgir em lado algum. Em setembro concorre com "A Hora Má" e é anunciado como vencedor do Prémio Literário da Colômbia, a 16 de abril de 1962, dia do nascimento de Gonzalo, o seu segundo filho. Publica "Os Funerais da Mamã Grande", mas sente-se infeliz com o trabalho nas publicações que dirige e escreve a Mendoza, lamentando estar há dois meses sem capacidade para construir um novo livro.
Em abril de 1963 escreve o argumento para o filme "El Charro" e, ficando sem receber nas duas publicações em que trabalhava, inicia a adaptação cinematográfica do conto "El Galo de Oro", escrito por Juan Rulfo, na qual trabalharia com o mexicano Carlos Fuentes. Até 1965 acumula o guionismo com trabalhos em agências de publicidade. "Ninguém Escreve ao Coronel" ia já na segunda edição, mesmo que a tiragem não superasse os mil exemplares. Em julho assina um novo contrato de representação, válido "por 150 anos", com Carmen Balcells, a agente literária de Barcelona que se tornaria lendária pela ligação a García Márquez durante décadas, assim como a outros cinco prémios Nobel. E então, após um fim de semana em Acapulco, em 1965, sente aquilo que classificou como "um cataclismo da alma" e, por entre dificuldades económicas que nem a venda do próprio carro e o apoio dos amigos superaram (Mercedes avisou o senhorio e ficaram nove meses sem pagar renda), passa meses sentado à máquina de escrever com uma passagem pela Colômbia como breve interrupção. "Cem Anos de Solidão", história de quatro gerações da família Buendía que se passa em Macondo, mas na verdade muito ligada à sua própria família, aos avós e à Aracataca natal, é a matéria-prima literária em construção. Amigos como Carlos Fuentes ou Julio Cortázar foram recebendo os capítulos iniciais e ficaram boquiabertos. Fuentes seria, aliás, o principal porta-voz do entusiasmo na imprensa ainda antes de o livro ficar pronto, anunciando-o como "obra-prima da América Latina". Quando, por fim, em 1967 se dirigiu ao correio com a mulher, não tinham dinheiro suficiente para o envio ao editor em Buenos Aires do manuscrito completo... Na monumental biografia que escreveu, intitulada "Gabriel García Márquez - Uma Vida", Gerald Martin resume o episódio de forma deliciosa: "O embrulho continha 490 páginas datilografadas. O funcionário que estava ao balcão disse: 'Oitenta e dois pesos.' García Márquez observou Mercedes a procurar dinheiro na carteira. Tinham apenas cinquenta pesos, e só puderam enviar metade do livro: García Márquez pediu ao homem que estava do outro lado do balcão para tirar folhas como se fossem fatias de toucinho fumado, até os cinquenta pesos serem suficientes. Voltaram para casa, empenharam o aquecedor, o secador de cabelo e o liquidificador, regressaram aos correios e enviaram a segunda parte. Ao saírem dos correios, Mercedes parou e voltou-se para o marido: 'Hei, Gabo, agora só nos faltava que o livro não prestasse."
Ainda antes da publicação do romance na Argentina, a influente revista Primera Plana envia um jornalista ao México para entrevistar García Márquez. Na mesma publicação, Vargas Llosa escreve um artigo recheado de elogios. O livro vê a luz do dia a 30 de maio de 1967, não com uma edição habitual de três mil exemplares, nem com um reforço para cinco mil, mas, tendo por base pedidos ainda antes da saída, com uma tiragem de oito mil. Após uma semana estão vendidos 1.800, na segunda o número triplica só em Buenos Aires, todos percebem que oito mil será largamente insuficiente. Junho, setembro e dezembro são meses para novas edições, cada qual com a invulgar dimensão de 20 mil exemplares. Estava consumada a integração de García Márquez no boom que a Literatura latino-americana regista, sobretudo graças a si, a Cortázar, Vargas Llosa e Fuentes, nas décadas de 60 e 70. Em junho teve o primeiro sabor do sucesso em Buenos Aires, no início de julho o livro foi publicado no México, em agosto conheceu Vargas Llosa e foi seu companheiro de quarto durante um congresso de Literatura em Caracas. No começo de novembro seguiu para Barcelona, onde viveria com a família durante seis anos. "Cem Anos de Solidão" era apontado como "o Dom Quixote da América Latina" e assim mesmo o apresentaram em Itália, primeiro país a editá-lo numa língua diferente da original, quando o convidaram para uma visita em 1968. No plano político, o esmagamento da Primavera de Praga em agosto pelos soviéticos volta a desiludir García Márquez que conhece Cortázar na cidade de Paris em setembro - passam a ser os dois únicos apoiantes da revolução cubana entre os principais escritores latino-americanos da época. Três anos mais tarde, Pablo Neruda recebe o Prémio Nobel e recomenda que García Márquez seja o seu sucessor da América Latina por ser "autor de um dos melhores romances em língua espanhola".
Seguem-se livros como "A Incrível e Triste História da Cândida Eréndira e da sua Avó Desalmada" ou "O Outono do Patriarca", este em 1975, após longo processo de escrita, várias vezes interrompido por motivos diferentes. Por exemplo, o golpe de Estado no Chile, a 11 de setembro de 1973, que derrubou e assassinou o Presidente Salvador Allende e instalou no poder uma cruel ditadura militar. García Márquez enviou um telegrama dirigido aos vários membros da junta militar no próprio dia, conforme recorda Gerald Martin na biografia do escritor: "Os senhores são os autores materiais da morte do presidente Allende e o povo chileno nunca se deixará governar por um bando de criminosos a soldo do imperialismo norte-americano", escreveu. Em junho de 1975 publicou o livro de contos "Olhos de Cão Azul" e visitou Lisboa, escrevendo três artigos sobre o país que resultara do 25 de Abril. No mês seguinte estava em Cuba com o filho Rodrigo, percorrendo a ilha sem qualquer restrição do regime liderado por Castro. Se era amigo próximo de escritores como Pablo Neruda, Carlos Fuentes, Julio Cortázar, Álvaro Mutis ou Mario Vargas Llosa - com quem se desentendeu em definitivo, agredido com um soco em 1976, alegadamente por ter ido demasiado longe na proximidade com Patricia, mulher do escritor peruano -, também estabelecera fortes laços de amizade com Fidel Castro e será criticado por isso. "Sou amigo de Fidel, não sou inimigo da Revolução e é tudo", chegou a afirmar. Fascinado pelo poder, será também amigo de políticos como François Miterrand, Felipe González ou Bill Clinton e, ao longo de grande parte da sua vida, recebe críticas pelo seu posicionamento. Por outro lado, na fase mais política da sua vida, intervém na libertação de presos políticos em Cuba, em negociações falhadas entre o governo colombiano e a guerrilha, mas também nos processos para acabar com as guerras civis em El Salvador e na Nicarágua.
Durante uma visita a Cuba, em março de 1980, anuncia que concluiu "Crónica de uma Morte Anunciada", romance que tem por base o assassínio real de Cayetano Gentile na década de 50. Entre setembro de 1980 e março de 1984, no auge do sucesso de vendas, escreve artigos para os jornais El Espectador e El País. Pelo meio, claro, é agraciado com o Prémio o Nobel da Literatura em 1982, informação que recebe via telefone, às seis da manhã do México, a 21 de outubro. É inundado por mensagens de felicitações, quase cem jornalistas juntam-se à porta de sua casa e realiza-se uma confusa conferência de imprensa (apesar do prémio, os Estados Unidos tornam público que continua a não poder entrar no país, algo que sucedia desde que trabalhara para Cuba em 1961). Viaja de Bogotá para Estocolmo, onde passará três dias alucinantes. Causa surpresa ao apresentar-se vestido com um liqui liqui, traje em linho branco, e profere um discurso em que o realismo mágico não esconde a opressão, a violência, as torturas e as violações dos direitos humanos nas inúmeras ditaduras que governam a maior parte dos países latino-americanos. Antes do regresso ao México, passa por Barcelona e por Cuba. Voltará à Colômbia em abril de 1983, viajando por diversas cidades, incluindo a Aracataca onde nascera. No ano seguinte, conclui "O Amor nos Tempos de Cólera", o primeiro livro que escreve num computador, e sofre rude golpe quando o pai morre, a 13 de dezembro. Quase um ano mais tarde, o romance é publicado, torna-se outro êxito de crítica e de vendas, e "Crónica de uma Morte Anunciada" é adaptado ao grande ecrã. Impulsiona a criação da Escola do Cinema em Havana, visita Moscovo e é recebido por Mikhail Gorbachev em julho de 1987.
Passa os anos 80 e toda a década de 90 a publicar novos livros: "A Aventura de Miguel Littín Clandestino no Chile" (1986), "O general no seu Labirinto" (1989), "Doze Contos Peregrinos" (1992), "Do Amor e Outros Demónios" (1994), de que aqui se apresenta um excerto, "Notícia de um Sequestro" (1996). Em 1990, tentara voltar a viver na Colômbia, mas o ambiente de violência protagonizado por Pablo Escobar e o assédio constante da imprensa levaram-no a regressar ao México, após passagens pelo Chile e pelo Brasil. No ano seguinte tivera direito a reentrar nos Estados Unidos com um visto em seu nome para inaugurar o Festival de Cinema de Nova Iorque. Um tumor no pulmão esquerdo levara-o a ser operado e a enfrentar período de recuperação, mas participaria na Exposição de Sevilha, espaço onde apresentaria "Doze Contos Peregrinos" em julho de 1992. De volta à Colômbia, mandaria construir uma casa nova em Cartagena e, em 1996, criaria a Fundação para um Novo Jornalismo Ibero-Americano. Compra a revista Cambio, na qual escreve inúmeros artigos. Em 1999 está em Cuba com José Saramago e Hugo Chávez para festejar os 40 anos da Revolução.
Depois de ultrapassar um cancro linfático em Los Angeles, "Viver para Contá-la" foi o seu projeto de autobiografia (2002), mas voltou a ser atingido com violência no plano emocional quando a mãe morreu aos 96 anos. Depois disso, publica ainda "Memórias das Minhas Putas Tristes" (2004), mas no início de 2009 refere que não pretende voltar a escrever. Três anos mais tarde, o irmão Jaime revelou que sintomas de demência e perda de memória iriam mesmo impedi-lo de aumentar a vasta obra. No fim de março de 2014 é internado devido a infeção pulmonar. Volta a casa e, rodeado pela família, morre a 17 de abril. Mas os ecos da sua escrita, com dezenas de milhões de livros vendidos nos mais variados idiomas, nunca mais vão deixar de soar.
"O Amor nos Tempos de Cólera" será a obra mais querida dos milhões de leitores que congregou em todo o mundo. Inspirado na história de amor dos pais de Gabriel García Márquez e nas dificuldades que enfrentaram, foi publicado em 1985, três anos depois de o colombiano ter sido agraciado com o Nobel da Literatura, numa fase em que era já um escritor famoso e aclamado um pouco por todo o lado. O livro foi adaptado ao cinema em 2007 num filme realizado por Mike Newell e com um elenco onde sobressaíam nomes como Javier Bardem, Giovanna Mezzogiorno, Benjamin Bratt e Fernanda Montenegro. Foi também a primeira abordagem ao trabalho literário do escritor colombiano aqui no blog, então pela voz de Alexandre Pereira, a 13 de maio do ano passado. Seguiram-se "Cem Anos de Solidão", que aqui apresentei a 19 de fevereiro, e "Do Amor e Outros Demónios", cujo excerto li a 6 de março, dia em que o escritor completaria 94 anos. "A Aventura de Miguel Littín, Clandestino no Chile", foi aqui apresentada a 15 de março. A 22 de abril foi a vez da obra "O General no seu Labirinto". "Crónica de uma Morte Anunciada" teve direito a leitura a 24 de maio. Neste livro de Gabriel García Márquez é Santiago Nasar quem vai ser assassinado e desde as primeiras frases que isso é bem explícito. Na verdade, a vítima chamava-se Cayetano Gentile Chimento, amigo de infância do escritor colombiano, e foi assassinado em circunstâncias semelhantes às que são contadas na obra. Mas, embora todos saibamos como vai acabar a história desde as primeiras linhas, isso em nada diminui a qualidade narrativa, a tensão, o caráter invulgar das personagens, os ambientes, enfim, tudo o que torna qualquer livro de García Márquez num episódio de maravilhamento. Em 1985, "Crónica de uma Morte Anunciada" seria mesmo adaptado ao grande ecrã. "Horas Más" foi a obra apresentada a 29 de junho e "Os Funerais da Mamã Grande" surgiu a 8 de julho. A 10 de agosto chegou "Notícia de um Sequestro".
Quanto a Vargas Llosa, quando a Academia Sueca de Ciências lhe atribuiu o Prémio Nobel da Literatura em 2010, justificando a decisão com aquilo que encontrava nos seus livros, uma "cartografia de estruturas de poder e imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual", o peruano era há muito um dos nomes maiores da Literatura mundial e da América Latina em particular. Com Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e Carlos Fuentes, integrara o boom da Literatura latino-americana nas décadas de 60 e 70. Fora longo e tortuoso o caminho desde que Jorge Mario Pedro Vargas Llosa, feito marquês de Vargas Llosa pelo rei Juan Carlos, realizara desde o nascimento na peruana Arequipa, a 28 de março de 1936. Os pais, Dora Llosa Ureta e Ernesto Vargas Maldonado, separaram-se após cinco meses de casamento e o pequeno Mario só irá conhecer o pai aos dez anos, depois de viver em Cochabamba, na Bolívia, altura da reconciliação do casal e do regresso a Lima, capital do Peru. O pai será responsável pela sua colocação no Colégio Militar Leôncio Prado com apenas 14 anos, algo que terá mais tarde materialização literária na obra "A Cidade e os Cães", publicada em 1963. Colabora nos jornais La Crónica e La Industria e, em 1952, escreve uma peça de teatro com o título "La Huida del Inca". Os estudos de Letras e Direito começam em 1953 e o primeiro episódio controverso da sua vida aventurosa é do ano seguinte quando decide casar-se com a sua tia Julia Urquidi (era irmã de um dos seus tios pelo lado da mãe). Sob forte pressão financeira, e para garantir a subsistência, acumula trabalhos que vão da função de editor dos Cuadernos de Composición e da revista Literatura à escrita para programas de rádio ou até à revisão de nomes nas lápides de cemitérios. Deixa o Peru em 1958, depois de obter uma bolsa para a Universidade Complutense de Madrid, doutorando-se em Filosofia e Letras. Está aberta a porta para cumprir um dos seus sonhos: viver em Paris.
A Cidade-Luz é um universo fascinante, permite-lhe tomar contacto com muitos intelectuais, participar em tertúlias fervilhantes de ideias e de discussão política, nesta fase é um admirador da Revolução cubana, mas a situação financeira de Vargas Llosa e da mulher mantém-se periclitante. Publica "Os Chefes" (1959), tornando a desempenhar diferentes papéis em simultâneo, como jornalista na agência France Presse e na televisão, além de locutor na rádio. Contudo, regressa ao Peru em 1964, divorcia-se da sua tia e, no ano seguinte, promove outro casamento familiar, desta vez com a prima Patrícia Llosa, de quem terá os filhos Álvaro, Gonzalo e Morgana. A partir de 1965 fará parte da revista cubana Casa de las Américas e, em 1966, publica "A Casa Verde", distinguido com o Prémio Romulo Gallegos. Visita a União Soviética, publica "Os Cachorros" e começa a afastar-se do comunismo e de Cuba, afastamento que se aprofunda com as críticas à invasão soviética e de tropas de países do Pacto de Varsóvia para o esmagamento da Primavera de Praga na então Checoslováquia, em 1968. Já está na Europa com a mulher e Fidel, durante um discurso, afirma que Vargas Llosa nunca mais poderá regressar a Cuba. Ato imediato, o escritor demite-se da revista Casa de las Américas e passa a ser um crítico feroz do regime cubano, além de derivar para um posicionamento como liberal de direita, criticando o amigo García Márquez pela proximidade e amizade que este sempre manteve com Fidel.
Publica "Conversa na Catedral" (1969) e é convidado para o Congresso Mundial do PEN Clube em Nova Iorque, instala-se em Londres e trabalha como professor de Literatura Hispanoamericana no Queen Mary College. Irá ainda trabalhar como tradutor para a UNESCO em Atenas, vivendo entre Atenas, Paris, Londres e Barcelona até 1974. De 1973 é a obra "Pantaleão e as Visitadoras", numa fase em que também já se dedica a escrever ensaios sobre escritores como "García Márquez: História de um Deicídio". Em 1975 alarga a sua intensa atividade à indústria cinematográfica e, no ano seguinte, torna-se líder do PEN Clube Internacional, cargo que manterá até 1979. Pelo meio, após várias diferenças de opinião, sobretudo no plano político, desentende-se em definitivo com García Márquez, a quem agride a soco em 1976, alegadamente por o colombiano ter ido demasiado longe na proximidade com Patricia, a sua mulher. "A Tia Júlia e o Escrevedor" é o romance em parte autobiográfico que publica em 1977, seguindo-se "A Guerra do Fim do Mundo" (1981). Sem nunca deixar de participar ativamente na política, em 1983 é nomeado presidente da comissão para a investigação da morte de oito jornalistas em Ayacucho, quando acompanhavam ações desenvolvidas contra o movimento maoísta Sendero Luminoso. Vai escrevendo várias peças de teatro e romances - neste caso, "História de Mayta" (1984), "Quem Matou Palomino Molero?" (1986), "O Falador" (1987), "Elogio da Madrasta" (1988).
Pela coligação Frente Demócrata será candidato à presidência do Peru em 1990, vence a primeira volta, mas perde na segunda com Alberto Fujimori e, desgostoso com o rumo do país, viaja para Espanha em 1993, passa a escrever como colunista no diário El País, acabando por obter dupla nacionalidade. Escreve "Lituma nos Andes" nesse ano, publicando mais tarde "Os Cadernos de Dom Rigoberto" e "Cartas a um Jovem Romancista" (ambos de 1997), "A Festa do Chibo" (2000), "O Paraíso na Outra Esquina" (2003), "Travessuras da Menina Má" (2006) e "O Sonho do Celta" (2010). Este é o ano da consagração, pois, às inúmeras distinções já recebidas, junta o Nobel da Literatura. No discurso de agradecimento, que se prolonga por mais de 51 minutos e causa lágrimas, há um lugar de honra para Patrícia, a prima com quem se casou em 1965: "O Peru para mim é Patricia, a prima de nariz empinado e caráter indomável com quem tive a sorte de casar-me há 45 anos e que continua a suportar as manias, neuroses e birras que me ajudam a escrever. Sem ela a minha vida estaria desfeita há muito tempo num torvelinho caótico e não teriam nascido Álvaro, Gonzalo, Morgana, nem os seis netos que nos prolongam e alegram a existência. Ela faz tudo e tudo faz bem. Resolve os problemas, administra a economia, põe ordem no caos, mantém à distância os jornalistas e os intrusos, defende o meu tempo, decide as entrevistas e as viagens, faz e desfaz as malas e é tão generosa que, até quando pensa que me ralha, faz-me o melhor dos elogios: 'Mario, tu só serves para escrever.'"
Nos anos seguintes, a escrita não deixa de se traduzir em livros: "Pantaleão e as Visitadoras" (2011), "A Civilização do Espectáculo" (2012), "O Herói Discreto" (2013), "Cinco Esquinas" (2016), "O Apelo da Tribo" (2019) e, em 2020, publica "Tempos Duros". Em 2016, depois de Bob Dylan ser distinguido com o Nobel da Literatura, Vargas Llosa causou polémica ao afirmar, na cerimónia em que lhe foi atribuído o doutoramento honoris causa pela Universidade de Burgos, que "a cultura tende a converter-se em espectáculo", classificando a alegada democratização cultural como "banalização do frívolo". Mostrava desse modo a discordância pela decisão da Academia e resolveu lançar ainda a questão sobre se, para maior promoção do Nobel, no ano seguinte o galardão seria entregue a um futebolista.
A obra de Vargas Llosa já foi aqui abordada por diversas vezes como no caso de um trecho do livro "A Tia Júlia e o Escrevedor", que li a 20 de novembro de 2020 e recuperei no passado dia 4.
D. Quixote
Quando os dois escritores que ganhariam o Nobel se encontraram para a conversa em Lima, no começo de setembro de 1967, "Cem Anos de Solidão", publicado nesse ano, estava em pleno processo de afirmação de vendas.
Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. "A Arquitetura é a minha mulher legítima, a Leitura é uma das ilegítimas", refere. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No passado dia 25 de julho, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías, seguindo-se "Zadig ou o Destino", de Voltaire, a 28. O regresso processou-se a 6 de setembro, com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai. Seguiram-se "Histórias de Cronópios e de Famas", de Julio Cortázar, no dia 8; "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano, a 11; "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, a 14; e "Um Amor", de Sara Mesa, no dia 16. A 19 de setembro, a leitura escolhida foi "Ajudar a Estender Pontes", de Julio Cortázar. A 17 de outubro, a proposta centrou-se na poesia de José Carlos Barros com três poemas do livro "Penélope Escreve a Ulisses". Três dias mais tarde leu três poemas inseridos na obra "A Axila de Egon Schiele", de André Tecedeiro. A 29 do mês passado apresentou "Inquérito à Arquitetura Popular Angolana", de José Tolentino de Mendonça. De dia 1 é a leitura de "Trieste", escrito pela croata Dasa Drndic e, no dia 3, a proposta foi um trecho do livro "Civilizações", escrito por Laurent Binet. No dia 5, Agostinho Costa Sousa dedicou atenção a "Viagens", de Olga Tokarczuk. A 7, a obra "Húmus", de Raul Brandão, foi a proposta apresentada.
Komentarze