"Diz-lhe que Estás Ocupado - Conversas com Alexandre O'Neill", livro que resulta de uma recolha de entrevistas cuja coordenação foi feita por Joana Meirim, é usado por Agostinho Costa Sousa para retirar "O Poema Pouco Original do Medo" que hoje aqui apresenta.
Conforme se indica na apresentação do livro feita a 12 de setembro, na Feira do ano passado, Joana Meirim é "professora e investigadora, sobretudo na área de Estudos Portugueses e Literatura". A própria explicou como foi o processo de reunir em livro entrevistas de O'Neill, destacando o seu interesse por este género jornalístico, o modo de entrar na obra do autor, estudá-la e divulgá-la mais. O trabalho engloba entrevistas num período que decorre entre 1944 e 1985 e possibilita um outro acesso e um olhar diferente sobre o trabalho literário de O'Neill. "O Poema Pouco Original do Medo", que Agostinho Costa Sousa aqui apresenta, foi publicado em estreia no ano de 1951, incluído no livro "Abandono Vigiado", da Guimarães Editores.
"Não posso considerar-me, como tanta gente me considera, um poeta satírico. Escrevo poemas como quem pratica esconjuros - é para me livrar, não para satirizar à distância": estas frases, ditas pelo próprio Alexandre O'Neill em imagens de arquivo da RTP que foram recuperadas para o programa "Palavras Vivas", de Mário Viegas, exibido a 16 de março de 1991, sintetizam o trabalho poético do genial autor que utilizava as palavras como se estas fossem truques mágicos. Em 1982, a propósito da publicação da sua obra em "Poesias Completas", O'Neill conversou com o jornalista e escritor Fernando Assis Pacheco e a entrevista - "feita com duas máquinas de escrever: o repórter do JL batia a pergunta, tirava a folha, estendia-a ao entrevistado, este batia a resposta, perguntava 'está bem?', o repórter respondia 'está, claro', e assim por diante -, publicada no Jornal de Letras, descrevia a relação que o poeta tinha com o país: "Sempre sofri Portugal, tanto no sentido de não o suportar (como todos nós, aliás), como no sentido de o amar-sem-esperança (como disse um parnasiano qualquer: amar sem esperança é o verdadeiro amor…). Eu tive a grande alegria de ver poemas meus completamente desatualizados depois do 25 de Abril. Mas afinal não estavam nada desatualizados, não. Como se pode ver. Quer dizer – o que é um péssimo sinal relativamente à minha capacidade para vaticinar – que a realidade fez de mim, novamente, um poeta atual. Até no fantasma do tempo a que você se refere. Espero que isto um dia acabe e eu fique bem desatualizado e para todo o sempre." Mas não, O'Neill continua muito atual e, dado o país que (ainda) temos, não é de prever que alguma vez se desatualize...
Com ascendência irlandesa, Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões nasceu em Lisboa a 19 de dezembro de 1924. Completa os seus estudos e entra na Escola Náutica (curso de pilotagem), mas, por influência da miopia, é-lhe recusada a cédula marítima após o primeiro ano. Em 1948, ao lado de nomes como Mário Cesariny, José-Augusto França, António Pedro e Vespeira funda o Grupo Surrealista de Lisboa, do qual se afasta no começo dos anos 50. Ao longo do tempo irá desenvolver diferentes atividades além da escrita, trabalhando em áreas como a dos seguros, Previdência, publicidade e nas bibliotecas itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. Ficariam famosas frases como as que criou para o Instituto de Socorros a Náufragos ("Há mar e mar, Há ir e voltar") ou "Bosch é Brom" que acabaria por ser "Bosch é Bom". Sobre o seu trabalho publicitário, que lhe rendia o dinheiro não conseguido com as vendas dos livros, também falou na citada entrevista a Assis Pacheco em 1982: "Ser copywriter é uma atividade engraçada pelo lado da invenção de slogans, por exemplo. Só é chata quando o cliente não percebe as nossas intenções e acha que está tudo mal", explicou. E contou como era a convivência de linguagens diferentes: "O jeito para o jogo de palavras, trocadilhos, etc., vive comigo há muito tempo e tem-me prejudicado razoavelmente na poesia, embora agora já esteja melhorzinho." Além disso, fez referência a um episódio dos tempos da ditadura: "Descobri a publicidade através do cinema publicitário. Propus uma vez a alguém (por brincadeira, claro) que oferecesse um slogan ao Metropolitano de Lisboa. O slogan era: 'Vá de metro, Satanás!' Esta brincadeira ia-me custando o emprego."
Pelo meio, estreara-se a publicar com o livro "Tempo de Fantasmas" (1951), usando uma linguagem que irá ser imagem de marca: rica em jogos de palavras e no sentido de humor, mas também carregada de metáforas e palavras inventadas pelo próprio O'Neill. Contestatário da ditadura salazarista, é preso pela PIDE durante mais de um mês em 1953. Casa-se em 1957 com Noémia Delgado, de quem terá o primeiro filho, Alexandre, dois anos depois. "No Reino da Dinamarca" data de 1958, seguindo-se "Abandono Vigiado" (1960), "Poemas com Endereço" (1962) e "Feira Cabisbaixa" (1965). Em 1966, a tradução de um livro de poemas seu é publicada em Turim sob o título "Portogallo mio remorso". No ano seguinte, as letras das canções no filme policial "Sete Balas para Selma", realizado por António de Macedo, são escritas pelo poeta. Convive com Miguel Torga, Vasco Graça Moura, Pedro Tamen, Alberto Pimenta, Eugénio de Andrade, entre outros. Publica "De Ombro na Ombreira" (1969), prosa com "As Andorinhas não têm Restaurante" (1970), Amália Rodrigues canta o seu poema "Gaivota" com música de Alan Oulman (também em 1970), divorcia-se em 1971 de Noémia e no mesmo ano casa-se pela segunda vez, neste caso com Teresa Patrício Gouveia, de quem terá o segundo filho, Afonso, em 1976. Mas a união não se prolonga por mais de dois anos. De 1972 é "Entre a Cortina e a Vidraça". Deixa gravado um disco: "Alexandre O'Neill diz Poemas de sua Autoria".
Continua a escrever e a publicar, apesar de um problema cardíaco que o obriga a passar pelo hospital de Santa Maria. No diálogo com Assis Pacheco, de 1982, aborda o assunto com a habitual ironia: "Quando se está com panne cardíaca o universo mingua e um sujeito 'desliga'. Passa para a categoria de 'bom doente' para ver se salva o canastro, mas não tem propriamente medo. Só tem medo que se enganem nos remédios e lhe enfiem os que são para algum vizinho… De resto, nada mais, a não ser que, quando se volta a casa, se sente tudo fora do sítio e não se acredita que o canastro volte à normalidade. Nem com um jornal na mão se pode andar. Nem se pode caminhar contra o vento." O corpo deixara um aviso. Seguem-se "A Saca de Orelhas" (1979), crónicas em "Uma Coisa em Forma de Assim" (1980), "As Horas já de Números Vestidas" (1981), "Dezanove Poemas" (1983), "Poesias Completas, 1951-1983" (1984) e "O Princípio da Utopia" (1986).
De súbito, a 21 de agosto de 1986, o poeta morreu. Murchou o riso, a rosa, o rumo. E o verão tornou-se frio, escuro e sem graça. A título póstumo ainda chega a antologia "Tomai lá do O'Neill", mas a imaginação ficou para sempre viúva.
Aqui no blog, a genial poesia de O'Neill foi, por exemplo, tema único do Especial dedicado ao 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas em 2020: na altura, li "Portugal", um dos seus mais memoráveis poemas.
A 6 de dezembro desse ano, o jornalista Ricardo Figueira apresentou "O Chaparrão de Glória ou o Caso do Camionista Arboricida"."E, de novo, Lisboa" foi a leitura a 30 de junho de 2021, "Inventário" passou por aqui em agosto e regressou no passado mês de janeiro. E O'Neill voltará aqui - em muitas ocasiões.
Tinta da China
O livro aqui usado por Agostinho Costa Sousa teve apresentação na edição da Feira do Livro do ano passado e Joana Meirim explicou que se tratou de uma forma de estudar e divulgar melhor a obra de Alexandre O'Neill.
Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. "A Arquitetura é a minha mulher legítima, a Leitura é uma das ilegítimas", refere. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No passado dia 25 de julho, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías, seguindo-se "Zadig ou o Destino", de Voltaire, a 28. O regresso processou-se a 6 de setembro, com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai. Seguiram-se "Histórias de Cronópios e de Famas", de Julio Cortázar, no dia 8; "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano, a 11; "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, a 14; e "Um Amor", de Sara Mesa, no dia 16. A 19 de setembro, a leitura escolhida foi "Ajudar a Estender Pontes", de Julio Cortázar. A 17 de outubro, a proposta centrou-se na poesia de José Carlos Barros com três poemas do livro "Penélope Escreve a Ulisses". Três dias mais tarde leu três poemas inseridos na obra "A Axila de Egon Schiele", de André Tecedeiro. A 29 de novembro apresentou "Inquérito à Arquitetura Popular Angolana", de José Tolentino de Mendonça. De dia 1 do mês seguinte é a leitura de "Trieste", escrito pela croata Dasa Drndic e, no dia 3, a proposta foi um trecho do livro "Civilizações", escrito por Laurent Binet. No dia 5, Agostinho Costa Sousa dedicou atenção a "Viagens", de Olga Tokarczuk. A 7, a obra "Húmus", de Raul Brandão, foi a proposta apresentada. Dois dias mais tarde, a leitura foi dedicada a um trecho do livro "Duas Solidões - O Romance na América Latina", com Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Seguiu-se "O Filho", de Eduardo Galeano, no dia 20. A 23, Agostinho Costa Sousa trouxe "O Vício dos Livros", de Afonso Cruz. Voltou um mês mais tarde com "Esta Gente/Essa Gente", poema de Ana Hatherly. No dia 26 de janeiro, apresentou "Escrever", de Stephen King. Quatro dias mais tarde foi a vez de Maria Gabriela Llansol com "O Azul Imperfeito". "Poemas e Fragmentos", de Safo, foram a mais recente participação antes de hoje.
Comments