Num contexto em que a invasão russa na Ucrânia continua a provocar caos, destruição, a morte de milhares de inocentes e a fuga de milhões de desalojados, Agostinho Costa Sousa propõe a leitura de um excerto de "Stalinegrado", de Vasily Grossman.
Nascido a 12 de dezembro de 1905 na cidade ucraniana de Jitomir, a cerca de 150 kms de Kiev, como Iosif Solomonovich Grossman, adotaria o pseudónimo de Vasily e seria testemunha privilegiada dos horrores da guerra como jornalista do Red Star, jornal do Exército Vermelho, em especial da carnificina resultante da batalha de Estalinegrado, quando os russos conheceram o mais intenso sofrimento até derrotarem as tropas nazis. A sua vida esteve inúmeras vezes em perigo, escapou por pouco às garras dos soldados de Hitler, e pôde acompanhar e relatar o que ia vendo na frente dos combates.
Filho de uma professora de Francês e de um engenheiro químico, Grossman iniciou-se no trabalho literário quando ainda era estudante no Departamento de Química da Faculdade de Física e Matemática da Universidade Estatal de Moscovo. Seria engenheiro químico, como o pai, desenvolvendo a sua atividade na região do Donbass durante cerca de três anos, entre 1929 e 1932. Era já casado, desde 1928, com Anna Matsuk, de quem se afastou em 1933. Seguiu-se a viagem e fixação de residência em Moscovo e a estreia a publicar seria em 1934 com "Glückauf", com mineiro e empregados de fábricas no centro do enredo. Um conto dedicado à Guerra Civil na Rússia, intitulado "Na Cidade de Berditchev" foi o seu passo posterior, prosseguindo sempre a escrita e publicação de livros antes da II Guerra Mundial: "Felicidade" e "Quatro Dias", coletâneas de contos, saíram em 1935 e 1936; a novela "A Cozinheira" é de 37, tal como "Novela de Amor". O romance "Stepan Koltchúguin", em que Grossman quis abordar o movimento revolucionário russo até à I Guerra Mundial, ficaria por apenas dois dos três livros em que o escritor pretendia desenvolver a história - mesmo assim, ainda serviram de base a um filme de Tamara Rodionova, em 1957.
Na II Guerra Mundial, o trabalho de Grossman ficaria como exemplo para todos: a novela "O Povo é Imortal" (1942), mas também outros, como "A Direção do Ataque Principal", são apenas alguns casos.
Com "O Inferno de Treblinka", a propósito do horroroso campo de concentração nazi em território polaco onde milhares de judeus foram mortos nas câmaras de gás, torna-se dos primeiros, em 1944, a denunciar o Holocausto. Três anos mais tarde é um dos participantes na obra "O Livro Negro", com Ilya Erhenburg, na qual são coligidos relatos de sobreviventes e documentação sobre o extermínio dos judeus pelos nazis. Pelo meio publica a peça "Se Acreditar nos Pitagóricos" (1946), mas a obra é proibida na União Soviética.
Escreve "Por uma Causa Justa", que sai em 1952, um ano antes da morte de Estaline, e cujo título original é "Stalinegrado", sendo hoje é aqui lida uma parcela por Agostinho Costa Sousa. Torna-se alvo de críticas por "exagerar" o papel do povo na vitória sobre os germânicos e "não ter em conta" a força do partido nesse triunfo. Só depois de o ditador morrer se torna possível o regresso do livro às livrarias e a sua recuperação como trabalho de referência. "Vida e Destino" só surgirá em 1960, embora Grossman o tenha iniciado em 1948. Porém, tratando-se de uma análise à forma como os russos sofrem perante quem os governa em autocracia, nem sequer passa do estado de manuscrito, logo confiscado pelo KGB. Com a ajuda de amigos como Andrei Sakharov, a obra chega à Suíça e aqui vê a luz do dia em 1980 (só oito anos depois será publicada na URSS), servindo de inspiração a Sergei Ursuliak para uma série televisiva (2012).
"Bem-Hajam - Apontamentos de uma Viagem à Arménia" (1962) é o relato de dois anos em que Grossman ali viveu. "Tudo Passa", que o levou a trabalhar entre 1955 e 1963, será o seu último livro. Morre a 14 de setembro de 1964, vítima de cancro, sem ver reconhecido pelo Kremlin o seu talento como um dos grandes cronistas da História.
Numa entrevista ao diário britânico The Guardian em 2010, a filha Ekaterina Korotkova-Grossman - que morreria a 11 de outubro de 2020 - afirmou que o pai era um idealista. "Nunca perdeu a fé no ser humano. Mesmo na pessoa mais terrível conseguia encontrar algum elemento favorável", resumiu.
D. Quixote/Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra
Na capa de uma das edições de "Stalinegrado", uma citação de Martin Amis é bem elucidativa: "Vasily Grossman é o Tolstói da URSS."
Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No passado dia 25 de julho, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías, seguindo-se "Zadig ou o Destino", de Voltaire, a 28. O regresso processou-se a 6 de setembro, com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai. Seguiram-se "Histórias de Cronópios e de Famas", de Julio Cortázar, no dia 8; "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano, a 11; "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, a 14; e "Um Amor", de Sara Mesa, no dia 16. A 19 de setembro, a leitura escolhida foi "Ajudar a Estender Pontes", de Julio Cortázar. A 17 de outubro, a proposta centrou-se na poesia de José Carlos Barros com três poemas do livro "Penélope Escreve a Ulisses". Três dias mais tarde leu três poemas inseridos na obra "A Axila de Egon Schiele", de André Tecedeiro.
A 29 de novembro apresentou "Inquérito à Arquitetura Popular Angolana", de José Tolentino de Mendonça. De dia 1 do mês seguinte é a leitura de "Trieste", escrito pela croata Dasa Drndic e, no dia 3, a proposta foi um trecho do livro "Civilizações", escrito por Laurent Binet. No dia 5, Agostinho Costa Sousa dedicou atenção a "Viagens", de Olga Tokarczuk. A 7, a obra "Húmus", de Raul Brandão, foi a proposta apresentada. Dois dias mais tarde, a leitura foi dedicada a um trecho do livro "Duas Solidões - O Romance na América Latina", com Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Seguiu-se "O Filho", de Eduardo Galeano, no dia 20. A 23, Agostinho Costa Sousa trouxe "O Vício dos Livros", de Afonso Cruz. Voltou um mês mais tarde com "Esta Gente/Essa Gente", poema de Ana Hatherly. No dia 26 de janeiro, apresentou "Escrever", de Stephen King. Quatro dias mais tarde foi a vez de Maria Gabriela Llansol com "O Azul Imperfeito". "Poemas e Fragmentos", de Safo, e "O Poema Pouco Original do Medo", de Alexandre O'Neill, foram outras recentes participações. Seguiram-se "Se Isto É Um Homem", de Primo Levi, e "Se Isto É Uma Mulher", de Sarah Helm. No dia 18 de março, a leitura proposta foi de um excerto de "Augustus", de John Williams. A 24, Agostinho Costa Sousa leu "Silêncio na Era do Ruído", de Erling Kagge; a 13 de abril, foi a vez do poema "Guernica", de Rui Caeiro e, no dia 20, apresentou um pouco de "Great Jones Street", de Don DeLillo.
No Especial dedicado ao 25 de Abril, a sua escolha foi para "O Sangue a Ranger nas Curvas Apertadas do Coração", escrito por Rui Caeiro, seguindo-se "Ararat", de Louise Glück, no Dia da Mãe e do Trabalhador, a 1 de maio. "Ver: Amor", de David Grossman, foi a proposta de dia 17. No dia 23, a leitura proposta trouxe Elias Canetti com um pouco da obra "O Archote no Ouvido".
A 31 de maio surgiu com "A Borboleta", de Tonino Guerra. A 5 de junho trouxe um excerto do livro "Primeiro Amor, Últimos Ritos", de Ian McEwan. A 17, a escolha recaiu sobre "Hamnet", de Maggie O'Farrell. A 10 de julho, o trecho selecionado saiu da obra "Ofuscante - A Asa Esquerda", do romeno Mircea Cartarescu. No dia 19 de julho apresentou "Uma Caneca de Tinta Irlandesa", de Flann O'Brien. A 31 de julho leu um trecho da obra "Por Cuenta Propia - Leer y Escribir", de Rafael Chirbes. No dia 8 de agosto foi a vez de "No Entres Docilmente en Esa Noche Quieta", de Ricardo Menéndez Salmón. A 15 de agosto apresentou "Julio Cortázar y Cris", de Cristina Peri Rossi. Uma semana mais tarde, a leitura foi de um trecho da obra "Música, Só Música", de Haruki Murakami e Seiji Ozawa. De 12 de setembro é a sua leitura de um poema do livro "Do Mundo", cujo autor é Herberto Helder. "Instruções para Engolir a Fúria", de João Luís Barreto Guimarães, foi a leitura a 16 de setembro e já aqui regressou.
A 6 de outubro leu um trecho da obra "Jakob, O Mentiroso", de Jurek Becker. "Rebeldes", de Sándor Márai, foi a leitura do dia 11. Mircea Cartarescu e "Duas Formas de Felicidade" surgiram dois dias mais tarde. Seguiu-se "Diários", do poeta Al Berto, a 17 de outubro. Três dias mais tarde propôs "A Herança de Eszter", de Sándor Márai. A 2 de novembro apresentou "Os Irmãos Karamazov", de Fiódor Dostoiévski. Data de 22 de novembro a leitura de "Nicanor Parra: Rey y Mendigo", de Rafael Gumucio. A 30 de novembro leu "Schiu", de Tonino Guerra. No passado dia 12 trouxe "Montaigne", de Stefan Zweig. Recuperei a sua leitura do poema "Instruções para Engolir a Fúria" no dia 16 quando o autor, João Luís Barreto Guimarães, foi distinguido com o Prémio Pessoa. A 23 apresentou um excerto de "Silêncio na Era do Ruído", de Erling Kagge. No dia 6 de janeiro a escolha recaiu sobre "Lições", de Ian McEwan.
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