Um dos nomes mais conceituados da Literatura espanhola na atualidade, Javier Marías é o motivo de atenção de hoje com a leitura, por parte de Agostinho Costa Sousa, de um excerto de "Veneno e Sombra e Adeus".
"O mundo é hoje muito menos inteligente." Quando o escritor espanhol Javier Marías fez esta afirmação numa entrevista ao diário El País, a propósito da publicação do seu romance "Berta Isla", estava ainda distante a chegada da pandemia com todas as consequências que tem gerado à nossa volta. Era o começo de setembro de 2017 e falava-se sobre Literatura. Com Marías, a conversas sobre a escrita, os livros, a Cultura, nunca ficam limitadas e ganham mais ramos do que uma árvore.
Sendo um dos escritores espanhóis contemporâneos que mais respeito granjeou, autor de vastíssima e diversificada obra, Javier Marías Franco, nascido em Madrid, a 20 de setembro de 1951, tem fortes laços familiares com a Cultura: Julián Marías Aguilera, o pai, era filósofo (foi alvo de uma denúncia de que seria comunista e, a 15 de maio de 1939, alvo de uma falsa denúncia de que seria comunista e leitor do Pravda, chegou a ser preso, escapando por pouco ao fuzilamento); é sobrinho e primo, respetivamente, dos realizadores de cinema Jesús Franco e Ricardo Franco (com eles trabalhou logo na juventude, fosse como figurante em filmes ou até como tradutor ou escritor de argumentos). Com experiência de vida nos Estados Unidos quando era apenas um menino, Marías iria seguir os passos paternos e licenciar-se em Filosofia na Universidade Complutense da capital espanhola. Mas depressa percebeu que não iria ficar-se por aí, pois estreou-se no romance em 1970 com "Los Dominios del Lobo". O ofício da escrita atraía-o e fascinava-o, pelo que continuou a escrever romances, mas também empenhado nas traduções: pelas suas mãos e pela sua arte passaram, por exemplo, numa primeira fase, autores como Hardy ou Sterne; mais tarde, desfilaram Conrad, Stevenson, Yeats, Auden, Faulkner ou Nabokov.
No dealbar dos anos 80, tornou-se professor universitário em Oxford - Literatura Espanhola e Teoria da Tradução foram as suas temáticas, estendendo a presença como docente ao outro lado do Atlântico num regresso aos Estados Unidos que se centrou em Boston.
Ao voltar para Espanha, não deixou o ensino superior e regressou à sua Universidade, agora como professor. Ao mesmo tempo, além de romances como "Coração Tão Branco" (1992) ou "Amanhã na Batalha Pensa em Mim" (1994), Javier Marías alargava os horizontes da sua escrita ao conto e ganhava relevância como colunista em jornais. Os anos 90 desfiaram-se entre a escrita, a conquista de respeito à escala planetária e a acumulação de prémios que distinguiam o seu talento. Quando chegou a 2000 e publicou "Selvagens e Sentimentais", expressava o à-vontade necessário para escrever sobre a paixão pelo Real Madrid ou numa abordagem menos convencional ao episódio do golpe de kung fu que Eric Cantona aplicou em pleno jogo num adepto do Crystal Palace.
"O futebol convida ao esquecimento, algo que equivale a dizer que se há alguma coisa a que não convida mesmo é ao rancor", escreve Marías. "O Teu Rosto Amanhã", projeto em três volumes, levou-o para outro patamar, tal como "Os Enamoramentos" (2011) ou "Assim Começa o Mal" (2014). "Uma das coisas que me divertem enquanto escrevo romances, entre outras coisas, é ir descobrindo as histórias enquanto estou a escrever", confessou na referida entrevista ao diário espanhol. E mostrou-se contundente com o papel desempenhado pelas redes sociais: "Pelo modo como funcionam, é muito fácil manipular as pessoas hoje em dia. Pensemos, por exemplo, no que faria Goebbels se tivesse o Twitter à mão", exemplificou.
"Veneno e Sombra e Adeus", de que hoje Agostinho Costa Sousa aqui apresenta um trecho, é a terceira parte da obra "O Teu Rosto Amanhã" ("Febre e Lança" é a primeira e "Dança e Sonho" a segunda)
No seu blog é possível ir acompanhando o trabalho e o pensamento do escritor.
A obra "Selvagens e Sentimentais", a 14 de abril, foi a primeira presença de Javier Marías numa leitura aqui no blog.
Alfaguara
Apesar de ser espanhol, Jacques Deza vive em Londres e é o narrador da história que Javier Marías reparte por três livros.
Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. "A Arquitetura é a minha mulher legítima, a Leitura é uma das ilegítimas", refere. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho.
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