No regresso de Amílcar Mendes às leituras aqui no blog, a fábula "Socorro", do escritor brasileiro Millôr Fernandes, é a escolha de hoje.
Do desenho ao jornalismo, da tradução ao humor satírico e, claro, sempre com a escrita distribuída por diferentes géneros, Millôr Viola Fernandes nasceu no carioca bairro do Méier, a 16 de agosto de 1923, filho do casal formado pelo espanhol Francisco Fernandes e por Maria Viola. Um erro do funcionário que o registou é a origem da troca do nome próprio que deveria ter sido o seu (Milton) e acabou por se tornar em Millôr, o seu nome artístico. A infância foi um tempo de enormes dificuldades, pois Millôr e o seu irmão e irmãs (Hélio, Judith e Ruth) perderam o pai quando o futuro escritor tinha apenas dois anos e, 10 anos mais tarde, ficaram também sem a mãe. A orfandade levou a que fossem distribuídos por diferentes responsáveis, ficando Millôr a viver com um tio.
Aqui começou a revelar-se o seu talento inigualável para o desenho que ganhou relevo com a publicação em O Jornal, sob forte incentivo do tio António. Tinha apenas 15 anos quando começou a trabalhar, desempenhando funções de contínuo na revista O Cruzeiro ao mesmo tempo que prosseguia os estudos. Na revista A Cigarra teria a primeira oportunidade de conquistar um espaço fixo e aí começou a ter maior evidência.
A década de 40 iniciou-se com a sua presença como colunista nas páginas da revista O Cruzeiro, aumentando o seu nível de popularidade com a colaboração do cartoonista Péricles. De 1948 é o seu casamento com Wanda Rubino, do qual resultaram um filho e uma filha: Ivan e Paula (embora continuassem casados até à morte de Millôr, este teria um relacionamento com a jornalista Cora Rónai em 1980). Em 1956, outro momento muito especial: Millôr repartiu a vitória na Exposição Internacional do Museu de Caricatura de Buenos Aires com o norte-americano Saul Steinberg. Da década de 60 é a primeira controvérsia que tem de enfrentar: apresenta uma versão diferente da história de Adão e Eva e, perante as reações negativas de leitores religiosos, acaba por ser despedido em 1963 da revista O Cruzeiro.
Apesar do contratempo, Millôr não permitiu que o seu espírito crítico e o aguçado sentido de humor fossem perturbados e a revista Veja foi o seu espaço seguinte, começando em 1968 a publicar. Millôr Fernandes ajudaria depois a fundar o tablóide O Pasquim, que se distinguiu pela crítica impiedosa e constante à ditadura militar. "Se fosse independente não duraria 100 dias e se durar 100 dias não é independente", comentou o humorista, mas a verdade é que a publicação teve uma existência total de 8.173 dias. Os responsáveis pelo jornal chegaram mesmo a ser presos, em 1970, e Millôr acabou por assumir o controlo do Pasquim entre 1971 e 1975, sempre sob a censura da ditadura.
Em 1982, por usar o espaço de que dispunha na Veja como propaganda a favor de Brizola, então candidato ao poder no Rio de Janeiro, tornou a ser alvo de despedimento (mas regressaria à revista entre 2004 e 2009). Ao longo do tempo seria colunista ainda em publicações como Isto É, Jornal do Brasil, Estado de São Paulo, O Dia, Correio Brasiliense e Folha de São Paulo. Em 2011, um AVC forçou-o a prolongado internamento hospitalar, além de o colocar num estado de saúde periclitante. A 27 de março do ano seguinte, Millôr Fernandes acabaria por falecer.
Para trás ficaram inúmeras obras, cuja publicação começou nos anos 40, dividindo-se por peças de teatro, romances, poesia, humor, fábulas (de onde saiu "Socorro", de que aqui Amílcar Mendes apresenta um excerto) e até musicais.
Companhia das Letras
"Clássico é um escritor que não se contentou em chatear apenas os contemporâneos", afirmou o corrosivo Millôr Fernandes.
Amílcar Mendes, ator e "dizedor de poesia", que também foi coordenador das noites de Poesia do Pinguim Café e do Púcaros Bar, no Porto, deixa-nos uma leitura diferente. A sua estreia aqui no blog registou-se a 5 de junho com um excerto de "Gin sem Tónica, mas Também", de Mário-Henrique Leiria. Do dia 3 de julho é a leitura de "Poemas de Ponta & Mola", de Mendes de Carvalho, seguindo-se "Poema do Gato", de António Gedeão, a 7 de julho; "Funeral", de Dinis Moura, a 14 de julho; a 24 desse mês, a escolha recaiu em "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade; voltou à aposta em António Gedeão com "Trovas para Serem Vendidas na Travessa de São Domingos" a 6 de agosto; a 10 de setembro, o poema "Árvore", de Manoel de Barros, foi a proposta.
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