Aqui se recorda a leitura em que Amílcar Mendes proporcionou um regresso no blog: o famoso poema "Uma Pequenina Luz", escrito por Jorge de Sena.
O exílio e a amargura foram algumas das marcas da vida de Jorge de Sena, por duas vezes forçado a mudar de país devido a regimes ditatoriais: primeiro, quando trocou Portugal pelo Brasil em 1959, na sequência do golpe revolucionário falhado em que interveio contra a ditadura de Salazar; seis anos mais tarde, quando a ditadura já causava danos ao Brasil, o escritor passou a viver nos Estados Unidos, onde acabaria por morrer a 4 de junho de 1978, na Califórnia, depois de ter ensinado nas Universidades de Wisconsin e Santa Bárbara.
Para trás ficavam os traços vincados de um dos intelectuais mais brilhantes e vibrantes de Portugal no século XX. Jorge Cândido de Sena nasceu a 2 de novembro de 1919 em Lisboa e seria ensaísta, poeta, crítico, ficcionista, dramaturgo, docente universitário, historiador e tradutor, tendo formação como engenheiro civil. Antes, passou pelo Liceu Camões, teve como marcante professor Rómulo de Carvalho, mais conhecido como poeta popular sob o pseudónimo de António Gedeão. A influência paterna (Augusto Raposo de Sena fora comandante da marinha mercante) levou-o a entrar na Escola Naval com apenas 17 anos, mas a viagem inaugural no Navio-Escola Sagres levou-o a ser afastado pelo responsável que o considerou fisicamente inapto para as exigências da vida a bordo. Ainda tentou o curso de oficiais milicianos, mas também foi obrigado a afastar-se, desta vez por questões de saúde. Após um ano como universitário na capital mudou-se para o Porto e aqui terminou os estudos superiores de Engenharia Civil em 1944. Nessa altura, já acumulara poesia suficiente para publicação e até chegara a dar os primeiros passos na aventura de ver o seu trabalho literário editado: escolheu o pseudónimo de Teles de Abreu e teve direito a publicação na revista Cadernos de Poesia. Era também já casado e seria pai dos nove filhos da professora e escritora Maria Mécia de Freitas Lopes (Mécia de Sena depois do casamento), irmã do crítico literário Óscar Lopes.
De 1942 é a sua estreia literária em livro com "Perseguição" e cinco anos depois começa a carreira profissional como engenheiro civil ao entrar na Câmara Municipal de Lisboa. Passará ainda pela Direção-Geral dos Serviços de Urbanização e pela Junta Autónoma das Estradas, papéis que acumula com outras funções na área editorial e com a publicação de diferentes livros em diversos géneros: "O Dogma da Trindade Poética – Rimbaud" (1942), "Coroa da Terra" (1946), "Páginas de Doutrina Estética de Fernando Pessoa (neste caso como organizador, também em 1946), "Florbela Espanca" (1947), "Pedra Filosofal" (1950), "A Poesia de Camões" (1951), entre outros. Participa, por outro lado, em publicações como as revistas Mundo Literário (1946-1948), Litoral (1944-1945) e Atlântico. Mas o ambiente claustrofóbico que se vive sob a ditadura é demasiado opressivo para Jorge de Sena, a vigilância e perseguição da PIDE são constantes e, no verão de 1959, aproveita o convite que lhe é endereçado para participar num colóquio internacional no Brasil e viaja. Irá mesmo ficar, não apenas face ao honroso convite para ser professor catedrático em Assis, mas também porque, devido ao seu envolvimento num golpe revolucionário abortado, seria quase certa a sua prisão pela PIDE caso regressasse a Lisboa.
Vai sempre vivendo e escrevendo no Estado de São Paulo, chega a ensinar em Araraquara, doutora-se na área de Letras com "Os Sonetos de Camões e o Sonho Quinhentista Peninsular", recebe a nacionalidade brasileira, mas os tempos voltam a tornar-se muito delicados a partir do golpe militar que, em 1964, coloca o Brasil sob ditadura. Quando deixa o país e ruma aos Estados Unidos já leva consigo parte substancial de "Sinais de Fogo" e um livro de contos: "Novas Andanças do Demónio".
É outra vez com um convite no bolso que muda de país em outubro de 1965 e segue direto ao Estado de Wisconsin para corresponder ao apelo do ensino de Língua Portuguesa naquela universidade. Dois anos mais tarde já é catedrático no Departamento de Espanhol e Português, sucedendo-se a instalação definitiva em Santa Bárbara, na Califórnia, como catedrático de Literatura Comparada. É aqui que recebe a notícia do fim da ditadura com a Revolução dos Cravos e, por momentos, sonha com o regresso para ficar no seu país. Pura ilusão, como o tempo e a ausência de convites do mundo universitário português se encarregarão de provar.
Ainda assim, a 20 de setembro de 1976 está em Lisboa, de passagem para Itália, onde vai participar num congresso literário dedicado a um balanço sobre o século XX e fará uma das principais comunicações, relativas à poesia europeia desse período, e concede uma entrevista a Joaquim Furtado, então jornalista da RTP. Nela fala sobre o 25 de Abril, lembra o entusiasmo que se lhe seguiu, mas também o medo, destacando o facto de existir "uma simpatia geral pela Revolução" e alguns "antagonismos tradicionais". Definiu-se como "uma pessoa de extrema-esquerda sem filiação partidária no sentido arcaico da palavra esquerda, portanto, extremíssima-esquerda de certeza que não. Filosoficamente sempre fui um marxista", sublinhou, apontando a necessidade de "uma certa estabilidade política" no país de então. Assinalava o facto de se terem cometido "erros de cálculo de todos os lados" e considerava ser "muito cedo para se prever o que pode acontecer numa normalidade constitucional". E, sobre o facto de não ter voltado para Portugal após o 25 de Abril, Jorge de Sena lembrou que estivera no país logo em julho, mas "sou catedrático efetivo na Universidade da Califórnia, um lugar definido e concreto, sou uma pessoa sem meios de fortuna de espécie alguma, não tenho quintas no Ribatejo, não tenho fazendas em Trás-os-Montes, nem contas no banco, e tenho uma família enorme às minhas costas. Quer dizer, sou uma pessoa que não se muda facilmente de um lugar para o outro, ainda que o tenha feito por diversas vezes. Não vim pura e simplesmente porque ninguém me chamou; em segundo lugar porque tenho um lugar fixo e em terceiro porque nunca pediria a ninguém, embora tenha amigos em várias situações políticas dos vários governos que tem havido. Em julho de 74 esses meus amigos devem ter sentido que fiz questão de estar em Portugal e de não visitar nenhum deles - não porque não os quisesse ver, mas para que ficasse bem claro que não vinha a Portugal sacudir a árvore das patacas", afirmou.
Voltaria a Portugal por diversas vezes, mas sempre com regresso marcado aos Estados Unidos. Outros títulos que publicou ainda em vida: na poesia, "Sobre Esta Praia" e o romance "O Físico Prodigioso" (ambos de 1977) ou, no ensaio, "Dialéticas Aplicadas da Literatura" (1978). Após a morte do escritor, vítima de cancro aos 58 anos, Mécia de Sena, sua viúva, seria fundamental para a divulgação da obra, intervindo de forma decisiva para publicações póstumas. Em 1995, o realizador Luís Filipe Rocha adaptou "Sinais de Fogo" (livro que só fora publicado em 1979) ao cinema, com um elenco que incluía, entre outros, Diogo Infante, Ruth Gabriel, Marcantonio Del Carlo, Rogério Samora ou Henrique Viana.
Continuando a viver nos Estados Unidos, Mécia de Sena foi sempre alimentando a ideia da importância de divulgar cada vez mais o trabalho literário do marido. Morreu aos 100 anos, a 29 de março de 2020, em Los Angeles. Na altura da sua morte, o Público lembrou como Mécia de Sena fora determinante para a organização e publicação de inúmeros manuscritos, incluindo as cartas de amor que trocara com o marido, sob o título "Isto Tudo que nos Rodeia", mas também a numerosa correspondência com escritores como Sophia de Mello Breyner, Vergílio Ferreira, José Régio, João Gaspar Simões, Eduardo Lourenço, António Ramos Rosa, Delfim Santos ou José-Augusto França.
Guimarães Editores
"Uma Pequenina Luz" teve a primeira presença aqui no Dia Mundial da Poesia, a 21 de março de 2021, pela voz de Sara Loureiro. Fernando Soares apresentou, a 29 de maio, a leitura que fizera em Paredes. Esta é a terceira interpretação do famoso poema de Jorge de Sena.
Amílcar Mendes, ator e "dizedor de poesia", que também foi coordenador das noites de Poesia do Pinguim Café e do Púcaros Bar, no Porto, deixa-nos uma leitura diferente. A sua estreia aqui no blog registou-se a 5 de junho de 2021 com um excerto de "Gin sem Tónica, mas Também", de Mário-Henrique Leiria. Do dia 3 de julho é a leitura de "Poemas de Ponta & Mola", de Mendes de Carvalho, seguindo-se "Poema do Gato", de António Gedeão, a 7 de julho; "Funeral", de Dinis Moura, a 14 de julho; a 24 desse mês, a escolha recaiu em "Quadrilha", de Carlos Drummond de Andrade; voltou à aposta em António Gedeão com "Trovas para Serem Vendidas na Travessa de São Domingos" a 6 de agosto; a 10 de setembro, o poema "Árvore", de Manoel de Barros, foi a proposta. "Socorro", de Millôr Fernandes, foi a escolha de dia 11 de outubro e, a 29, foi apresentado "História do Homem que Perdeu a Alma num Café", de Rui Manuel Amaral. A 7 de novembro, Amílcar Mendes trouxe "A História é uma História", de Millôr Fernandes. "Aproveita o Dia", de Walt Whitman, foi a proposta a 27 de novembro.
No dia 15 do mês seguinte, Amílcar Mendes leu "A Princesa de Braços Cruzados" , de Adília Lopes. A 19 surgiu "A Morte do Pai Natal", de Rui Souza Coelho. Quase um mês depois, a 17 de janeiro, apresentou "Uma Faca nos Dentes", de António José Forte. A 8 de fevereiro leu o poema "Não Cantes", de Al Berto. No dia 20, apresentou "Ano Comum", de Joaquim Pessoa. Uma semana mais tarde, a proposta centrou-se em dois textos de Mário-Henrique Leiria. E a 17 de março propôs "Breves Respostas às Grandes Perguntas", de Stephen Hawking. A 15 de abril regressou à poesia de Al Berto e a 21 de julho leu "Anúncios Paroquiais". Al Berto e o seu poema "Fragmentos de um Diário" foram o tema da leitura a 18 de agosto. A 14 de setembro apresentou "Fábula", de Joaquim Castro Caldas. De 9 de outubro é uma nova leitura de "Fragmentos de um Diário", de Al Berto. E outras se seguiram.
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