É o meu segundo livro, conta histórias de vítimas/sobreviventes de violência doméstica na primeira pessoa, mas também experiências de quem combate o flagelo em diferentes papéis. Está à venda a partir de dia 19 e Armando Liguori Junior apresenta um trecho da obra "Murro no Estômago".
As estatísticas não mentem e apontam, todos os anos, para dezenas de vítimas mortais de violência doméstica, sempre com maioria esmagadora de mulheres. Para lá das estatísticas, os números têm rostos. Vidas. Histórias de sofrimento e dor. Os casos multiplicam-se e são relatados com frequência pelos órgãos de comunicação social, mas a situação teima em persistir. Muito se fez nos últimos anos, muitas coisas mudaram para melhor, incluindo a legislação, há diversas organizações não governamentais que têm apoiado centenas de vítimas/sobreviventes e os respetivos filhos. Mas falta uma vontade coletiva, não podem restar vestígios de pena ou indiferença na sociedade. É preciso que a educação para a afetividade seja feita desde bem cedo e no sentido de que se rejeite a violência como argumento de poder. Se a legislação é das melhores que existem, é preciso não falhar nas forças de segurança e nos tribunais - prisão preventiva e mais prisão efetiva ao contrário da prática habitual de punição com penas suspensas, no fundo, um convite a que sejam cometidos outros crimes desta natureza.
Os números têm rostos. E vozes. Quando me dirigi à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), no verão de 2019, fi-lo para que essas vozes pudessem ser ouvidas. Para que as histórias fossem contadas tal qual aconteceram. Porque, por muito que seja escrito e contado sobre violência doméstica, ainda há muita gente convencida de que só acontece aos outros ou que não nos diz respeito. Na APAV encontrei não só compreensão pelo trabalho do cidadão e jornalista que se lhe dirigia, mas também o entendimento de que é preciso contar, informar, esclarecer - quanto mais se falar do assunto, mais perto estaremos de acabar com os casos de violência doméstica.
As vítimas/sobreviventes - ou, como diz o Daniel Cotrim, as "verdadeiras especialistas em violência doméstica" - são as protagonistas de todo este caminho. Disse-lhes, desde o início do processo, que este livro é, acima de tudo, delas: da sua coragem, da sua resistência, da sua insuperável capacidade para ultrapassar todo o mal que sobre elas se abateu e voltar a viver. A forma comovente como me acolheram e me fizeram sentir que estava em família é algo que nunca vou esquecer. Assim como as lágrimas e o sofrimento espelhado pelos seus olhos à medida que recordavam, uma vez mais, tudo o que passaram. O livro é uma homenagem a todas as que aceitaram contar os seus casos e a tantas outras que, todos os dias, sofrem em silêncio, esperando que possa contribuir para se libertarem e denunciarem o que se passa.
Mas "Murro no Estômago" não ignora todo o trabalho feito em redor de quem é atingido pela violência doméstica, seja ela sob a forma física e/ou psicológica. E por isso estão lá as experiências de que quem combate o flagelo sem dar tréguas nas mais variadas áreas. Com erros e imperfeições, com memórias terríveis e por vezes trágicas, mas também com a noção de que estão a agir para salvar vidas. E que, muitas vezes, conseguem salvá-las.
No final do livro estão informações e contactos que podem estabelecer a diferença. Foi também para isso que o escrevi: quis que fosse uma forma de fazer a diferença. Porque nenhuma forma de violência ou de discriminação são aceitáveis e temos de ser bem firmes nessa afirmação. Todos os dias. Em todas as áreas da sociedade. Em Portugal e no mundo.
Quando contei ao Armando Liguori Junior que iria publicar este livro, de imediato ele quis saber mais e pediu para ler uma parte. O Armando, a quem não conheço pessoalmente, mas é como se nos conhecêssemos desde sempre, é um Amigo, mesmo que nos separem milhares de quilómetros, a maior parte sob a forma de Oceano Atlântico. A ti, Armando, deixo o meu público agradecimento e a minha admiração por uma leitura que está muito acima de qualquer forma que eu imaginasse.
20|20 Editora/Influência
"Murro no Estômago" é uma forma de dar voz às vítimas/sobreviventes de violência doméstica; de mostrar como é um pouco do dia a dia de quem combate o flagelo; e um sinal de esperança, porque a violência doméstica não tem de ser sempre o final do caminho.
Armando Liguori Junior, ator e jornalista de formação, tem três livros publicados; dois de poemas ("A Poesia Está em Tudo" – Editora Patuá 2020; "Territórios" – Editora Scortecci 2009; e um de dramaturgia: "Textos Curtos para Teatro e Cinema (2017) – Giostri Editora). Atualmente mantém um canal no YouTube (Armando Liguori), dedicado a leituras literárias, especialmente de poesia. Estreou-se nas leituras aqui para o blog com "Se te Queres Matar Porque Não te Queres Matar?", de Álvaro de Campos, a 15 de julho, seguindo-se "Continuidades", de Walt Whitman, a 7 de agosto e "Matteo Perdeu o Emprego", de Gonçalo M. Tavares, a 11 de setembro.
Comments