É com o conto de abertura da obra "Axilas e outras Histórias Indecorosas", de Rubem Fonseca, que Armando Liguori Junior apresenta a proposta de leitura para hoje.
Conquistar o Prémio Camões em 2003, galardão que juntaria a outras distinções, foi um dos momentos mais marcantes do trajeto literário de José Rubem Fonseca, filho de um casal de transmontanos cuja viagem para o Brasil se justificou como forma de procurar uma vida mais desafogada e distante das condições de extrema pobreza. Viveria no Rio de Janeiro durante a maior parte da sua existência, embora nascesse em Juiz de Fora (Estado de Minas Gerais), a 11 de maio de 1925. Licenciado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito, o final do ano de 1952 assinalou o seu começo como comissário policial. Esse papel iria ajudá-lo mais tarde na construção das suas histórias e romances, embora a passagem pela força da autoridade acabasse por não durar muito tempo. Ainda assim, esse período da sua vida teria marcas de reforço na formação: do último trimestre de 1953 ao primeiro de 1954, acompanhado por outros oito agentes devidamente selecionados, rumou aos Estados Unidos. No seu caso, essa fase foi o momento certo para ganhar conhecimentos na área da administração de empresas e, em julho de 1954, de novo no Brasil, seria docente de Psicologia, outro domínio em que se salientara, na Fundação Getúlio Vargas. A intensa atividade na polícia terminaria a 6 de fevereiro de 1958, seguindo-se trabalho na Light, empresa do setor energético.
Ainda esteve ligado ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, mas, já depois da estreia literária, o golpe militar que instaurou a ditadura em 1964 levou-o a sair de imediato. Aliás, enquanto durou o governo totalitário, Rubem Fonseca foi sempre um alvo de pereguições e censura, tendo alguns dos seus livros sido proibidos de circular sob a falácia de "atentarem contra a moral e os bons costumes". Ainda assim, nunca deixou de escrever, nem de publicar, ganhando novas forças com a recuperação da democracia nos anos 80. Seria casado durante mais de quatro décadas com Théa Maud Komel, tendo o casal três filhos (Maria Beatriz, José Alberto e José Henrique Fonseca, este um realizador de cinema e autor de argumentos da série televisiva Mandrake, nome de uma das personagens criadas pelo pai) dos quais resultaram vários netos.
A 15 de abril de 2020, aos 94 anos, sofrer um enfarte em casa, no Rio de Janeiro, acabou por ser-lhe fatal, apesar da assistência médica de que ainda foi alvo.
Para trás ficava um fulgurante percurso como homem de letras, em especial no género policial. Chegou a dizer que "escrever é uma forma socialmente aceite de loucura". Foi com a apresentação de contos que se processou a sua estreia literária: em 1963, Rubem Fonseca publicou "Os Prisioneiros". Dois anos mais tarde voltou à carga no mesmo género, então com "A Coleira do Cão", seguindo-se "Lúcia McCartney" (1969). Em 1973, não só manteve a linha como contista ("O Homem de Fevereiro ou Março"), mas também se estreou no romance: "O Caso Morel". Era mais atraído pelo contos e, por isso, regressou com "Feliz Ano Novo" (1975) e "O Cobrador" (1979) antes do segundo romance, intitulado "A Grande Arte". Foi o seu período de maior dedicação aos romances que iria durar até à saída da década de 80: "Bufo & Spallanzani" (1986); "Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos" (1988); "Agosto" (1990). De 1992 é outro livro de contos, disfarçado sob o título de "Romance negro e outras Histórias", mas logo apresentou outro romance com "O Selvagem da Ópera" (1994). Por esta altura já acumulava, entre outras distinções, seis prémios Jabuti. "O Buraco na Parede" (1995) e "Histórias de Amor" (1997) devolveram-no aos contos, mas ainda em 1997 apresentaria outro romance: "E do Meio do Mundo Prostituto só Amores Guardei ao meu Charuto".
Aos contos voltou em "A Confraria dos Espadas" (1998) antes de novo romance com "O Doente Molière" (2000). Outra vez contos nas obras "Secreções, Excreções e Desatinos" (2001) e "Pequenas Criaturas" (2002) antes do romance "Diário de um Fescenino" (2003). No ano seguinte, "64 Contos de Rubem Fonseca", de 2005 é "Mandrake, a Bíblia e a Bengala" (outro romance), "Ela e Outras Mulheres" (2006) assinala outros contos. Após breve incursão pelas crónicas com "O Romance Morreu" (2007), o autor volta ao romance e publica "O Seminarista" (2009). Dois anos depois, além do último romance ("José"), reentra no caminho dos contos que já não abandonará: "Axilas e outras Histórias Indecorosas" - que abre com o conto "Sapatos", hoje apresentado aqui por Armando Liguori Junior -, virá a ser adaptado ao grande ecrã com realização de José Fonseca e Costa (2016). Apesar de não gostar de festivais, festas literárias ou entrevistas, em 2012 recebeu das mãos de António Costa, então presidente da Câmara de Lisboa, a medalha de mérito da edilidade. Seguem-se "Amálgama" (2013), "Histórias Curtas" (2015), "Calibre 22" (2017) e "Carne Crua" (2018).
Nova Fronteira
Rubem Fonseca foi agraciado com o Prémio Camões em 2003, mas colecionou outros galardões ao longo do percurso literário.
Armando Liguori Junior, ator e jornalista de formação, tem vários livros publicados; três de poemas ("A Poesia Está em Tudo" – Editora Patuá 2020; "Territórios" – Editora Scortecci 2009; o recente "Ser Leve Leva Tempo", que já aqui apresentou a 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa; e um de dramaturgia: "Textos Curtos para Teatro e Cinema (2017) – Giostri Editora). Atualmente mantém um canal no YouTube (Armando Liguori), dedicado a leituras literárias, especialmente de poesia. Estreou-se nas leituras aqui para o blog com "Se te Queres Matar Porque Não te Queres Matar?", de Álvaro de Campos, a 15 de julho de 2020, seguindo-se "Continuidades", de Walt Whitman, a 7 de agosto e "Matteo Perdeu o Emprego", de Gonçalo M. Tavares, a 11 de setembro, várias leituras do meu "Murro no Estômago" (a 16 de outubro de 2020 e a 5 de setembro de 2021). Em 2021, a 12 de fevereiro, apresentou "Pelo Retrovisor", de Mário Baggio, seguindo-se "A Gaivota", de Anton Tchekhov, a 27 de março, Dia Mundial do Teatro; "A Máquina de Fazer Espanhóis", de Valter Hugo Mãe, a 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa; e, a 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, com leituras de "Cheira Bem, Cheira a Lisboa", de César de Oliveira, e um trecho de "Viagem", de Miguel Torga. A 26 de outubro surgiu "O Medo", de Carlos Drummond de Andrade, e Niels Hav com "Em Defesa dos Poetas" foi o passo seguinte, a 28. Antes de hoje, Armando Liguori Junior apresentara "Algo Está em Movimento", de Affonso Romano de Sant'Anna, a 30 de outubro do ano passado. A 2 de março leu "O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá", de Jorge Amado, e no dia 6 apresentou "A Máquina", de Adriana Falcão. "As Coisas", de Arnaldo Antunes, foi a proposta de 13 de março. A 5 de maio, Dia Mundial da Língua Portuguesa, leu "Ser Leve Leva Tempo". A 13, Armando Liguori Junior deixou outro exemplo de talento ao ler "Pássaro Triste", do seu livro "Toda Saída É de Emergência". No dia 19, Cecília Meireles e o poema "Escolha o seu Sonho" foram as propostas. Seguiu-se um excerto de "Macunaíma", de Mário de Andrade, a 27 de maio.
A apresentação do livro "Ser Leve Leva Tempo" aconteceu há poucas semanas e pode ser recordada aqui.
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