O radialista de quem me tornei amigo em 2018 apresenta um excerto do livro que escrevi e publiquei em junho de 2017, no qual se conta uma odisseia de fuga à guerra na Síria.
Emoção, raiva e incredulidade. Lembro-me de, em setembro de 2015, ter passado por tudo isto, pensando pela enésima vez que a Humanidade estava perdida, quando um pouco por todo o lado foram difundidas as imagens de uma criança morta numa praia da Turquia. Aylan Kurdi tinha três anos e passava a integrar a lista de milhões de vítimas inocentes da guerra civil na Síria, onde a barbárie se instalou sem que a designada "comunidade internacional" fosse capaz de unir-se para estabelecer a paz. Não fui capaz de ficar indiferente ao horror do que vira. Quis contar histórias de quem tivesse sido sujeito ao sofrimento de ver um país arrasado e fosse forçado a fugir para proteger a vida, deixando tudo para trás: família, amigos, memórias queridas. Com a ajuda de uma associação de intervenção comunitária, a CRESCER, encontrei sírios que tentavam começar de novo em Portugal sem esquecerem quem continuava sob o inferno dos bombardeamentos nas cidades sitiadas. Ouvi histórias arrepiantes, vi as lágrimas que traduziam o intraduzível, em silêncio me emocionei com as suas emoções. Pesquisei casos terríveis que todos os dias a imprensa internacional narrava, mas também alguns que permitiam alimentar a ideia de que havia caminho para fazer do lado da empatia e dos braços abertos para acolher quem mais precisa. Quando comecei a escrever, fi-lo sem plano, desconhecendo como seria o percurso e que fim teria a história. Não tinha editora, nem sequer a convicção de que poderia chegar a publicar um livro. Mas o apoio incondicional da minha namorada foi determinante para a construção da história e a sua transformação na minha estreia literária.
Entretanto, a falência do jornal onde trabalhava deixou-me desempregado e o projeto estagnou. Retomei-o meses mais tarde, já empregado e muito apoiado no Sindicato dos Jornalistas. Com alguns milhares de caracteres escritos, encontrei anúncios de quem estava disponível para acolher e analisar manuscritos, podendo mesmo transformá-los em livros. Depressa percebi que alguns eram simples truques de ilusionismo, propondo-me que escrevesse e ainda por cima pagasse para publicar. Recusei e prossegui a procura. A EGO Editora foi a primeira a enviar-me uma análise séria, na qual avaliava o potencial da história, apontava pistas que eu podia explorar no sentido da sua evolução e escrevia as palavras mágicas: livro e publicação. Mas era preciso que alguém com vasto conhecimento do Médio Oriente lesse tudo com atenção. E o jornalista José Manuel Rosendo, amigo de décadas, teve a paciência de um relojoeiro e a precisão do ourives a apontar o que precisava de ser alterado. Além disso, coube-lhe a missão de escrever um prefácio maravilhoso!
Muito trabalho de ambos os lados mais tarde, a apresentação pública fez-se em junho de 2017 no espaço que escolhi, onde fora muito feliz nos anos 80 e rodeado de família, namorada e amigos numa sala a abarrotar de carinho: a Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica, com as minhas queridas professoras de Português na fila da frente. Ao lado, outro mestre de Jornalismo e da Rádio: Ricardo Alexandre, amigo de muitos anos. Foi um dos momentos mais felizes e inesquecíveis da minha vida, serei para sempre grato a todos os que lá estiveram e aos que, não podendo estar, enviaram mensagens de incentivo. Estão para sempre no meu coração. O livro registou ainda mais algumas apresentações públicas que voltaram a ter inestimáveis colaborações de amigos (Germano Almeida, Marta Rangel, Pedro Latoeiro), mas, mal chegara às livrarias, a falência da distribuidora, com ligação direta a alguém que já estivera no processo de insolvência do jornal onde trabalhei, minou as vendas, tornando a recuperação muito difícil. Ainda assim, ela foi feita.
Na altura, pensei que não poderíamos descer mais níveis no nosso humanismo e no sentido de solidariedade que deveríamos reforçar a cada dia que passa. Cinco anos depois daquelas imagens chocantes, a guerra continua. Há milhões de desalojados, milhares de vítimas, gente que morre todos os dias a fugir do conflito. A Europa permanece incapaz de definir uma política comum para lidar com a situação, dirigentes políticos populistas e protofascistas pululam por todo o planeta. Adaptando uma expressão que se tornou comum é caso para dizer que a Humanidade já morreu e nem deu por isso. Apesar de todos os avisos diários que lhe chegam. Mas recuso-me a aceitar que isso seja verdade e este livro é uma veemente afirmação nesse sentido.
EGO Editora
"Filhos da Primavera Árabe" foi a minha estreia literária, depois de 25 anos a escrever em jornais. Entretanto, outros dois livros estão quase prontos, apenas à espera de edição.
Eduardo Pinto é radialista. Nascido em Sesimbra, em junho de 1974, no calor da revolução dos cravos, começou a fazer rádio em 1986, com 12 anos, no auge das estações-pirata que brotavam um pouco por todo o país. Mais do que uma profissão, a rádio tornou-se uma autêntica paixão e Eduardo passou por diversas rádios de âmbito local, destacando-se como locutor fundador da Rádio Radar. Mas foi igualmente repórter, produtor e animador em todas as rádios nacionais portuguesas: M80, Rádio Comercial, Rádio Renascença e, mais recentemente, na Antena 1. Em televisão, foi colaborador na TVI e na RTP, e deu igualmente voz a diversos documentários em canais temáticos como Odisseia, Discovery, National Geographic e Canal História, entre outros.
A leitura que aqui apresenta foi uma surpresa comovente para mim. Um dia destes, voltaremos a abraçar-nos como é suposto entre grandes amigos. Para já fica a expressão máxima da minha gratidão: MUITO obrigado, Eduardo!
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