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Paulo Jorge Pereira

Especial 25 de Abril com três poemas inesquecíveis

Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu sobre "o dia inicial inteiro e limpo", José Niza deu à voz de Paulo de Carvalho a letra de "E Depois do Adeus", José (ou Zeca) Afonso imortalizou "Grândola, Vila Morena". Três poemas inesquecíveis, os dois últimos usados como senhas na Revolução do 25 de Abril.



Passada no Porto, entre a famosa casa do Campo Alegre e o jardim, mas também com frequentes idas à praia da Granja, a infância de Sophia de Mello Breyner Andresen (nasceu a 6 de novembro de 1919) teve marcas de enorme felicidade numa família bem instalada no plano social. Os lugares, ambientes e sentimentos foram de tal forma intensos que não deixariam de estar bem presentes na sua escrita desde os primeiros poemas, escritos no final da adolescência. Em Lisboa, de 1936 a 1939 passou pelo curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras, assim nascendo a profunda admiração pela Antiguidade Clássica, em particular pelo universo do helenismo que haveria de cultivar nas várias visitas à Grécia. Fascinada pela escrita, a sua entrada nos meios intelectuais processou-se no dealbar dos anos 40 através da colaboração na Revista de Poesia, ao lado de personalidades da Cultura de quem seria amiga como Ruy Cinatti ou Jorge de Sena. Em 1944 edita "Poesia", o trabalho de estreia em livro. Dois anos mais tarde casa-se com Francisco de Sousa Tavares, advogado, jornalista e político ao lado de quem terá cinco filhos, ganhando a sua obra literária uma outra dimensão, mais centrada em questões de índole social e de contestação ao regime de Salazar. Aliás, esse reconhecimento ficará expresso na dedicatória dos "Contos Exemplares", em 1962, feita ao marido: "Para o Francisco, que me ensinou a coragem e a alegria do combate desigual". E, no exemplar que lhe ofereceu, deixou uma diferente, mais pormenorizada nos desafios enfrentados pelo casal face à repressão e vigilância da PIDE e da censura: "Para o Francisco, com a memória dos inumeráveis combates que travamos juntos todos os dias contra a estupidez, a mentira e a mediocridade. Com a minha confiança em todas as coisas verdadeiras e claras, em todas as matérias de Esperança". Ele chamava-lhe "Xixa", ela tratava-o por "Tareco". Décadas depois, chegariam tempos muito diferentes desses na sua relação, uma vez que, na segunda metade dos anos 80, divorciaram-se e Francisco Sousa Tavares iria casar-se com Amélia Brugnini em 1989.

Mas logo na década de 50, Sophia já revelava antagonismo face ao Estado Novo, sobretudo quando João Andresen, arquiteto e seu irmão, ganhou um concurso sobre um monumento ao Infante D. Henrique a que chamou "Mar Novo", mas o ditador rejeitou o resultado desse concurso. Sophia publicou então (1958) um livro de poesia com o nome do projeto do irmão, deixando bem vincado o seu asco pela opressão - o poema "Este é o Tempo" é elucidativo: "Este é o tempo/Da selva mais obscura/Até o ar azul se tornou grades/E a luz do sol se tornou impura/Esta é a noite/Densa de chacais/Pesada de amargura/Este é o tempo em que os homens renunciam" - e a sua revolta. Aliás, em entrevista que data de 1982 e foi recordada pela Rádio Renascença no ano passado, a propósito do centenário da escritora, Sophia referia-se até às primeiras recordações do que considerava revolta. "Na minha infância havia uma certa miséria não escondida que depois desapareceu. Foi arrumada não se sabe para onde pelo Estado Novo. Essa grande miséria muito patente era uma interrogação enorme, um escândalo no meio do mundo e da infância. Em determinada altura, e por influência de pessoas com quem convivi, esse escândalo foi-se estruturando e tomando forma mais definida. O que era só uma indignação ou um espanto ou uma angústia foi-se transformando numa escolha política. A partir de certo momento pensei ser necessária uma luta pela justiça que passava pela política. O que está na base da minha opção política é o não aceitar o escândalo. É o não aceitar que haja pessoas inteiramente sacrificadas. O considerar que não é possível passar por cima do cadáver dos outros ou por cima de vidas diminuídas e desumanizadas", afirmou.

Continuava a escrever, não só poesia, mas também contos que, ao longo dos anos, ia criando para os filhos e se tornariam histórias para todas as gerações de crianças: "A Menina do Mar", "A Fada Oriana", "A Noite de Natal", "O Cavaleiro da Dinamarca", "O Rapaz de Bronze", "A Floresta" ou "A Árvore" são exemplos.

Mas o cerco da ditadura não parava à volta do casal. Apoiantes da candidatura de Humberto Delgado à Presidência, sofreriam represálias, traduzidas no despedimento de Francisco do seu trabalho como subinspetor do trabalho. Quando escreve "Livro Sexto", em 1962, o poema "O Velho Abutre" é o retrato perfeito do ditador: "O velho abutre é sábio e alisa as suas penas/A podridão lhe agrada e seus discursos/Têm o dom de tornar as almas mais pequenas". A PIDE está sempre atenta às movimentações em casa de Sophia e Francisco, regista os nomes de visitantes que se opõem ao regime, tira fotografias, escuta-lhes o telefone, segue-os sem tréguas. Numa outra entrevista, esta de 1989, também citada pela Rádio Renascença, Sophia recorda várias situações. "Antes do 25 de Abril tive muitos problemas, sim. Não me censuraram os livros, mas censuraram-me entrevistas, por exemplo. E censuraram-me poemas nos jornais. Sim, cortaram-me poemas inteiros. Às vezes eu nem percebia muito bem porquê. Revistavam a casa. Censuravam-me as cartas dos amigos. E tive vários amigos presos", descreve. Mesmo sem ser considerada subversiva pela polícia política, ainda foi convocada para ir à sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, mas desarmou os facínoras, ripostando com inteligência e elegância ao interrogatório (já o marido seria preso em 1966 e em 1968, depois de o casal ter sido proibido de sair do país). A escritora integra movimentos católicos contra o regime, assina a Carta dos 101 Católicos a contestar a guerra colonial, Salazar e os incentivos da Igreja ao seu regime, empenha-se no apoio aos presos políticos e ajuda a criar a Comissão Nacional que lhes servirá o auxílio possível.

Quando Mário Soares, amigo e grande referência no plano político, volta de São Tomé já com Marcelo Caetano no poder, depois de ter sido preso pela PIDE e deportado por ordem de Salazar, convida o casal para a integração nas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD). A escritora seria candidata pelo círculo do Porto em 1969. Reivindica eleições livres, algo que só acontecerá depois do 25 de Abril, sobre o qual é avisada pelo telefonema de um amigo a meio da madrugada. Dois dias depois escreve o poema dedicado à Revolução, sendo esta um dos momentos mais alegres da sua vida e aqueles dias vividos "em estado de máxima levitação" como confessou a Eduardo Prado Coelho (em 1997 citaria Rimbaud, acentuando mesmo que, além do sentido político, "a Revolução teve também um sentido poético"). "A poesia está na rua" é uma frase de um poema seu que constituiu inspiração para a pintora Vieira da Silva.

De Soares voltou a partir um convite político e, pelo Partido Socialista, Sophia de Mello Breyner estaria na Assembleia Constituinte, tal como o marido, deixando marcas indeléveis da sua lucidez e firmeza como, por exemplo, na intervenção de 1 de agosto de 1975 em que critica aquilo que considerou o desvirtuamento da Revolução "pelo abuso e pela avidez de poder das falsas vanguardas ideológicas". Ou ainda na de 2 de setembro, dedicada à Cultura, como lembrou Manuel Alegre à Rádio Renascença. "Sabemos que toda a cultura real trabalha para a libertação do homem e que, por isso, toda a cultura real é, na sua raiz, revolucionária. Sabemos que não podemos construir, de facto, o socialismo se não ultrapassarmos o uso burguês da cultura. A cultura não é um luxo de privilegiados. Se o homem é capaz de criar a revolução, é exatamente porque é capaz de criar a cultura", disse. Abandonou o Parlamento após a Constituinte e, anos depois, confessou que fora uma experiência penosa, porque "estar ali sentada a ouvir falar, falar, falar, era uma agonia". O desencanto pesou demasiado e os convites seguintes para cargos públicos foram recusados - seria apenas chanceler das Ordens Honoríficas durante três anos, outra vez a solicitação de Soares -, embora não deixasse de estar ao lado de Mário Soares e de Jorge Sampaio nas Presidenciais, além de defender a independência de Timor-Leste.


O poema "25 de Abril" está publicado no livro "O Nome das Coisas" (Editorial Caminho)

Desencantada com a política, Sophia deixou o Parlamento após a Constituinte e confessaria que se tratou de uma experiência penosa, uma vez que "estar ali sentada a ouvir falar, falar, falar, era uma agonia".

Prémio Camões em 1999, dois acidentes vasculares cerebrais deixam-na muito debilitada a partir do ano seguinte. Morre a 2 de julho de 2004 em Lisboa. A sua admirada obra é extensa, percorre os territórios de poesia, prosa, contos para crianças, ensaios e teatro, sendo ainda muito elogiadas as suas traduções. Terá nova leitura em breve por aqui.


 

Foi como canção, e não como poema para leitura, que "E Depois do Adeus" ganhou dimensão. Escrito por José Niza com música e arranjos de José Calvário para a voz de Paulo de Carvalho, o tema ganhou em Portugal direito a figurar na memória coletiva como uma das senhas da Revolução.



Os relógios marcavam as 22h35 em Portugal no dia 24 de abril de 1974 quando os Emissores Associados de Lisboa passaram a canção "E Depois do Adeus": era a primeira senha para os militares envolvidos no golpe contra a ditadura saberem que tudo decorria de forma normal. Duas semanas antes, a canção de José Niza (letra) e José Calvário (música), interpretada por Paulo de Carvalho, classificara-se no último lugar do Festival Eurovisão, com apenas três pontos, os mesmos de noruegueses, alemães e suíços, numa edição realizada no Reino Unido e ganha pelos suecos Abba com o tema "Waterloo". Nascido a 16 de setembro de 1938 e com forte influência familiar para a música, Niza iria formar-se em Medicina (1966), mas aprendeu a tocar (guitarra e viola) logo no liceu e, no ambiente universitário de Coimbra, ganharia gosto ainda mais especial pelo meio musical, sobretudo do fado e das baladas, travando mesmo conhecimento com José Afonso. No começo dos anos 60, ao lado, por exemplo, de José Cid, criaria a Orquestra Ligeira do Orfeon Académico e, mais tarde, o Clube de Jazz. Convidado a compor música para os espetáculos "A Exceção e a Regra" e "Castelão e a sua Época", que foram proibidos pela censura, acabou enviado para a guerra colonial, da qual regressaria em 1971, trabalhando na editora Arnaldo Trindade Lda (Orfeu). Aqui desfilaram em gravações nomes como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Sérgio Godinho, Luís Cília, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Vitorino, Carlos Mendes, Manuel Freire ou José Calvário. Escreveu para Carlos do Carmo, Tonicha, Paulo de Carvalho, Carlos Mendes, Teresa Silva Carvalho, Vitorino, Janita Salomé, Samuel, Rui Veloso, entre outros e ganhou quatro edições do festival português. Seguiu-se um percurso como político que o levou a ser eleito deputado por diversas vezes, falecendo a 23 de setembro de 2011.

O maestro José Calvário, responsável pela música e arranjos de "E Depois do Adeus", nasceu no Porto em 1951, morrendo a 17 de junho de 2009. Começou o contacto com a música tendo por base os estudos de piano no Conservatório em 1956 e aos dez anos estava envolvido no concerto de estreia com a Orquestra Sinfónica do Porto. Rumou à Suíça e chegou a integrar uma orquestra de jazz, mas voltou para Portugal em 1971 e em Lisboa deu os primeiros passos como arranjador e orquestrador. Seguem-se participações em discos e composições para diferentes cantores, incluindo Adriano Correia de Oliveira, Carlos Mendes, Paulo de Carvalho ou Tonicha. Soma participações no festival e, depois da de 1974, passa a adaptar grandes clássicos da música portuguesa, associando-se a orquestras internacionais como a Filarmónica e a Sinfónica de Londres ou a Sinfónica da Hungria. Trabalha em álbuns de António Chainho (1996) e Luís Represas (2001) e compõe a banda sonora do filme "Kiss Me" (2004). Porém, quatro anos mais tarde é acometido de um enfarte que o coloca numa situação muito delicada até falecer em junho de 2009.

Se não fosse o êxito da banda Sheiks, que ajudou a criar em 1963, Paulo de Carvalho poderia ter sido jogador de futebol, pois representou o Benfica nos juniores. Nascido a 15 de maio de 1947, o sucesso nos Sheiks iria durar cinco anos até à sua entrada na vida militar. Depois, iria envolver-se em diversos projetos musicais sem o impacto da banda anterior até começar a cantar a solo por convite de Pedro Osório e Carlos Portugal em 1971, ano em que, ao interpretar "Flor sem Tempo", de José Calvário, acaba no segundo lugar do festival em Portugal. Vai colaborando em diferentes projetos, incluindo no cinema, e viajando até ao triunfo no festival de 1974 com "E Depois do Adeus". Francisco Sá Carneiro convida-o para escrever o hino do PPD e, em 1976, Paulo de Carvalho compõe "Lisboa Menina e Moça" para Carlos do Carmo. Dois anos mais tarde grava temas que se tornarão sucessos como "Nini dos meus 15 anos" ou "Gostava de vos ver aqui", voltando a desmultiplicar-se numa série de colaborações, a mais simbólica das quais traduzida num breve regresso dos Sheiks.

Vai diversificando os seus papéis e, ao mesmo tempo que coleciona gravações com temas de êxito, torna-se produtor, terminando a década de 80 com o projeto Só Nós Três, ao lado de Fernando Tordo, Carlos Mendes e Pedro Osório. Dos anos 90 para os tempos mais recentes, a marca mais saliente volta a ser a dos trabalhos variados - intérprete, compositor para outros, parceiro, produtor, incluindo com nomes de África ou do Brasil (neste caso, o de Ivan Lins sobressai).


A canção "E Depois do Adeus" está no álbum "Paulo de Carvalho" (1974).

A canção deu nome a uma série exibida na RTP em 2013, na qual se traçam momentos vividos por quem teve de regressar a Portugal após a Revolução. Histórias de "retornados" e de como tiveram de sofrer para encontrar na sociedade um lugar que por direito próprio lhes pertencia.

Com quatro casamentos e vários filhos, Paulo de Carvalho é pai do músico conhecido como Agir (Bernardo Costa), fruto do seu terceiro casamento (com a atriz Helena Isabel).

 

Nome maior da música popular e de intervenção em Portugal, inspirando os contemporâneos e as gerações seguintes, José Afonso foi sempre uma voz incómoda para o regime de Salazar. E, em democracia, continuou a intervir em nome das suas convicções.



Emitida pela Rádio Renascença às 00h20, seria a segunda senha para os militares saberem que o 25 de Abril era imparável. Mas "Grândola, Vila Morena", canção de José Afonso (Zeca para quem o conhecia mais de perto) publicada no álbum "Cantigas do Maio" (1971), nascera a 17 de maio de 1964. Numa visita a Grândola para atuar na celebração dos 52 anos da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, o cantautor conhece Carlos Paredes e, impressionado com a localidade, as suas gentes e a forma como o acolheram, decidiu que aquele dia devia ficar assinalado. Por isso, na viagem de volta, escreve a primeira versão e acaba mesmo por remetê-la a um dos responsáveis pela coletividade. No entanto, só seria gravada sete anos mais tarde para o álbum referido em cima, no Château d'Hérouville, em França. José Afonso estava com José Mário Branco, que se estreava como seu diretor musical, e a canção perdera uma estrofe - "Capital da cortesia/Não se teme de oferecer/Quem for a Grândola um dia/Muita coisa há-de trazer" -, mas ganhara outra (a que começa com "À sombra de uma azinheira..." Conforme relatado no livro "José Afonso - O Rosto da Utopia", foram várias as sugestões de José Mário Branco: música cantada à maneira dos coros alentejanos; quadras repetidas pela ordem invertida dos versos; único acompanhamento deveria ser o som de pés que se arrastavam pelo chão, à imagem do que sucede com os coros nos movimentos enquanto cantam. E como criar a ilusão desse som? Juntando os dois Josés, Francisco Fanhais, o guitarrista Carlos Correia (Bóris) e a restante equipa a caminhar à volta do castelo, munidos de oito microfones para que ficasse registado o som arrastado de pés sobre o chão. A canção seria interpretada em público no Coliseu de Lisboa, perto do fim de março de 74, numa iniciativa da Casa da Imprensa (o Primeiro Encontro da Canção Portuguesa). Na assistência, a PIDE e a censura vigiam tudo e todos. Contudo, o relatório oficial menciona somente o que classifica como "pequenas artimanhas de vários artistas participantes para contornarem as proibições". Ainda assim, a propósito da subida ao palco de José Afonso, o documento indica que "todos os artistas deram os braços e oscilavam o corpo da esquerda para a direita, no que foram logo imitados pelo público". Mais: "O público berrava, cremos que intencionalmente, a estrofe 'O povo é quem mais ordena'".

Para trás estava um difícil percurso de vida, marcado pelo combate contra a ditadura e as perseguições do regime salazarista. Filho de um juiz e de uma professora, José Afonso nasceu a 2 de agosto de 1929 em Aveiro, mas depressa seguiu viagem rumo a Angola, uma vez que o pai foi indigitado delegado do Procurador. Voltou para Aveiro em 1937, seguindo-se nova viagem, desta vez para Moçambique, e outro regresso, em 1938. Foi viver com um tio que era presidente da Câmara em Belmonte, tendo de submeter-se às normas do regime de Salazar como, por exemplo, pertencer à Mocidade Portuguesa. Iria passar vários anos sem saber dos pais que, a partir de 1939, se encontravam em Timor, ali conhecendo extremas dificuldades sob o domínio nipónico (42-45). Entretanto, o filho chegava à Universidade, em Coimbra, e revelava dotes de qualidade invulgar para o fado local, além de apreender a vontade de mudança que por ali se respira. Conhece Adriano Correia de Oliveira, Manuel Alegre e muitos outros inconformados com a situação do país. Sem o revelar a ninguém, casa-se com a costureira Maria Amália de Oliveira, continua as suas atuações pelas representações universitárias e joga futebol na Académica. O seu primeiro filho nasce em 1953, obrigando-o a desempenhar mais tarefas (dar explicações e rever textos no Diário de Coimbra) para superar as dificuldades no dia a dia familiar. Grava o primeiro disco ("Fados de Coimbra"), mas a tropa interrompe-lhe a vida normal. Depois de cumprido o serviço militar passa a ensinar, vai percorrendo o país e divorcia-se. Os filhos vão ter com os avós a Moçambique em 1958 e o começo dos anos 60, além de assinalar os seus primeiros trabalhos de intervenção passados para disco, mostra-o muito atento à crise estudantil em Lisboa. É também a fase em que conhece Zélia e iniciam o namoro que resultará em casamento. Conclui a licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas e apresenta canções de cariz mais político, como "Os Vampiros" e "Menino do Bairro Negro", logo travadas pela censura. Vai cantar ao estrangeiro com amigos como Adriano Correia de Oliveira e José Niza e, no mesmo ano em que compõe "Grândola, Vila Morena", lança a âncora em Lourenço Marques (atual Maputo), ensina, revê os filhos, compõe música para uma peça de teatro de Brecht ("A Exceção e a Regra") e ergue a voz para contestar o colonialismo - de imediato, a PIDE transforma-o num alvo. Quando volta para Portugal, em 1967, é já visto como um "perigoso subversivo" pela ditadura e, em contrapartida, como símbolo dos ideais democráticos do lado da oposição.

Ensina em Setúbal, mas a perseguição política que lhe é movida materializa-se mesmo na expulsão do liceu. Volta às explicações para angariar algum dinheiro e os contactos com a Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR) e o Partido Comunista levam a PIDE a apertar o controlo, de tal forma que é preso. Depois de libertado, regressa à música, aos discos gravados no estrangeiro, aos concertos e é premiado por "Cantares do Andarilho". De 1971 é a edição de "Cantigas do Maio", onde está a música imortalizada pela ligação à Revolução: "Grândola, Vila Morena" será estreada em público por terras espanholas, em Santiago de Compostela, no ano seguinte. Não desiste do combate político e volta a ser preso em 1973, o mesmo ano da edição do disco "Venham Mais Cinco". Com o 25 de Abril, lança "Coro dos Tribunais", produzido por Fausto, volta ao ensino, envolve-se nas campanhas de alfabetização do MFA e é uma voz marcante no PREC. Em 1976 está entre os apoiantes da candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho à Presidência, mas nunca se filia num partido - nas entrevistas era habitual dizer a frase "O meu Comité Central sou eu". Volta a tocar no estrangeiro com enorme sucesso e, mesmo já afetado em parte pela doença que o mataria, apresenta mais quatro álbuns: "Enquanto há Força" (1978), "Fura-Fura" (1979), "Fados de Coimbra" (1981) e "Como se Fora seu Filho" (1983). Um quinto, "Galinhas do Mato" (1985), é já feito com inúmeras colaborações. Os concertos nos Coliseus, ainda em 1983, são entusiásticos e os últimos do percurso musical. Desse ano é também a sua rejeição da Ordem da Liberdade. Num derradeiro ato político, em 1986 manifestou apoio a Maria de Lourdes Pintasilgo como candidata à Presidência.



"Grândola, Vila Morena" faz parte do álbum "Cantigas do Maio" (1971)

O legado de José Afonso tem um valor incalculável para a música portuguesa, revolucionada pelo trabalho que desenvolveu, tal como os seus méritos de antifascista, sempre na primeira linha contra Salazar, e de infatigável lutador contra as desigualdades já na democracia em Portugal.

A 23 de fevereiro de 1987 apagou-se a última centelha de vida no corpo de José Afonso, vítima de esclerose lateral amiotrófica. O seu legado tem um valor incalculável para a música portuguesa e não será esquecido o esforço no combate contra o fascismo e as desigualdades.

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