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Paulo Jorge Pereira

Especial Feira do Livro: Agostinho Costa Sousa lê "As Palavras Andantes", de Eduardo Galeano

Eduardo Galeano classificou "As Palavras Andantes" como "histórias de espantos e encantos que quero escrever, as vozes que recolhi pelos caminhos, e os meus sonhos de andar acordado, realidades deliradas, delírios realizados, palavras andantes que encontrei - ou fui por elas encontrado". Hoje é um trecho dessa obra que aqui se apresenta como proposta de leitura apresentada por Agostinho Costa Sousa.



Filho mais velho dos três do casal formado por Licia Esther Galeano Muñoz e Eduardo Hughes Roosen, Eduardo Hughes Galeano nasceu em Montevideu, capital do Uruguai, a 3 de setembro de 1940. Pensou que viria a ser padre, quis ser jogador de futebol, mas acabou por ser jornalista e escritor com uma obra que tem mais de quatro dezenas de livros. Antes disto, porém, desempenharia diversas funções como, por exemplo, pintar letreiros, entregar mensagens, datilografar ou trabalhar num banco. No princípio dos anos 60 começaria a trabalhar como jornalista, foi editor dos jornais Marcha e Época. A sua estreia a publicar um livro registou-se em 1963 com a obra "Los Días Siguientes", continuou a escrever e, em 1971, publicou um dos seus livros mais famosos: "As Veias Abertas da América Latina".

Muitos anos mais tarde, num encontro que manteve com Barack Obama, na altura Presidente dos Estados Unidos, o chefe de Estado venezuelano, Hugo Chávez, entregou-lhe precisamente este livro. A obra foi escrita por Galeano nos anos 70, tornando-se um clássico cuja temática essencial são as formas de exploração da América Latina por parte do designado "imperialismo económico". "A obra pretende mostrar que não há riqueza que seja inocente, toda a riqueza nasce de alguma pobreza. A maldição da América Latina foi a sua riqueza. A riqueza do subsolo determinou a humilhação da população", explicou o próprio autor em entrevista ao programa "Entrelinhas", no âmbito da Fliporto, a festa literária de Porto de Galinhas, em Pernambuco. "Depois fui incorporando mundos no meu mundo e a escrita foi evoluindo", acrescentou.

Em 1973, seguindo a triste tendência que se verificava na América do Sul, o Uruguai passou a ser governado por uma ditadura (assim ficaria até 1985), depois de os militares darem apoio ao Presidente civil, Juan María Bordaberry, para que este dissolvesse o poder legislativo. Galeano foi preso e teria de se exilar em Espanha quando soube que o seu nome integrava a lista de pessoas a abater pelo designado "Esquadrão da Morte". Continuando a escrever mesmo fora do seu país, Galeano regressaria em 1985 já com democracia.

"O Livro dos Abraços", de que aqui se apresenta um trecho, é uma coleção de pequenas histórias "numa linguagem que pretende ser nua", em que tenta "dizer mais com menos" e procura "contar a grande história universal através da micro-história" como afirmou na entrevista citada, durante a Fliporto. Na ocasião, lembrava um falso provérbio chinês que o compatriota escritor Juan Carlos Onetti lhe dissera: "As únicas palavras que merecem existir são as palavras melhores do que o silêncio." E reforçava que "O Livro dos Abraços", publicado em 1989, era "um exemplo muito claro dessa intenção de síntese entre tudo o que foi e o oceano, ou seja, as guerra da alma, guerras entre a liberdade e o medo, são quase iguais às guerras da rua".

Antes, entre 1982 e 1986, escrevera a trilogia "Memória do Fogo", composta por "Os Nascimentos", "As Caras e as Máscaras" e "O Século do Vento", uma "espécie de continuação em profundidade" do livro "As Veias Abertas da América Latina", mas "escrito numa linguagem diferente e tentando abraçar outros espaços da vida humana que não estão compreendidos na economia política, porque esta não é a verdade da vida, a vida vai além dela".

Nunca perdeu a enorme paixão que sentia por futebol e, em 1995, apresentou outro dos livros que deixaram marcas nos leitores: "Futebol ao Sol e à Sombra". "O sol seria a arte, porque o futebol, quando é bem jogado, é uma dança com a bola, e a legitimidade da paixão popular que o futebol gera - todos os bebés do Uruguai nascem a gritar 'Goooooolo!'", responderia nessa conversa com Manuel da Costa Pinto no âmbito da Fliporto. "A sombra é o futebol como negócio e como catapulta política, utilizada para ganhar prestígio político e como fonte de bons negócios, porque, de todas as indústrias do espetáculo, o futebol é a mais importante, a que mais dinheiro dá e que mais prestígio outorga. Essa é a parte escura do futebol", concluiu.

Escreveria ainda mais meia dúzia de livros entre 1997 e 2012 - pelo meio, adoeceu gravemente em 2007 (cancro num pulmão), mas foi operado e conseguiu recuperar. No ano seguinte, rejubilou com a vitória de Barack Obama nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, considerando que estava na hora de o país "se libertar da sua pesada herança racista" - não era possível, então, prever a eleição de alguém como Trump.

O último livro publicado seria "Os Filhos dos Dias". O cancro no pulmão voltou a atacá-lo em 2015 e, a 13 de abril, Eduardo Galeano morreria durante o internamento num hospital de Montevideu.

O trabalho de Eduardo Galeano já aqui fora abordado com a leitura de um trecho da obra "O Livro dos Abraços", a 4 de agosto de 2020, pela voz de Ana Cecília Reis, e também quando apresentei um pouco do livro "As Veias Abertas da América Latina", a 16 de dezembro.


Editora Antígona/Tradução de Helena Pitta


"Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte recua dez passos. Por mais que eu caminhe, nunca a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar", escreve Galeano.

Agostinho Costa Sousa reside em Espinho e socorre-se da frase de Antón Tchekhov: "A medicina é a minha mulher legítima, a literatura é ilegítima" para se apresentar. "A Arquitetura é a minha mulher legítima, a Leitura é uma das ilegítimas", refere. Estreou-se a ler por aqui a 9 de maio com "A Neve Caindo sobre os Cedros", de David Guterson, seguindo-se "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino, a 16 do mesmo mês, mas também leituras de obras de Manuel de Lima e Alexandra Lucas Coelho a 31 de maio. "Histórias para Uma Noite de Calmaria", de Tonino Guerra, foi a sua escolha no dia 4 de junho. No passado dia 25, a sua escolha recaiu em "Veneno e Sombra e Adeus", de Javier Marías. Já esta semana, o regresso processou-se com "As Velas Ardem Até ao Fim", de Sándor Márai.

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