Um dos mais notáveis talentos poéticos da sua geração, José Carlos Ary dos Santos ganhou popularidade junto do grande público através do Festival RTP da Canção com os poemas de músicas vencedoras como "Desfolhada" ou "Tourada". Mas a sua vida e o seu trabalho foram muito mais do que isso e hoje, pela voz de Fernanda Silva, aqui se apresenta "Na Passagem de Um Ano", integrado na sua "Obra Poética".
Nascido a 7 de dezembro de 1936, José Carlos Ary dos Santos passou por colégios como o Infante de Sagres (expulso por mau comportamento), Nun'Álvares e São João de Brito. Fazia parte de uma família da alta burguesia que, tendo ele apenas 14 anos e já depois de perder a mãe, lhe permitiu publicar os primeiros poemas, embora o próprio autor os considerasse abaixo do limite mínimo de qualidade para publicação. Mas bastou que passassem dois anos para o seu talento ser reconhecido pela primeira vez, então com a seleção de poemas seus para a Antologia do Prémio Almeida Garrett. Apesar de muito jovem, Ary dos Santos resolve deixar a casa de família (contará mais tarde que tinham "três criadas, um motorista e jardineiro"), incompatibiliza-se com o pai e passa a trabalhar em diferentes áreas para garantir o sustento, acabando por fixar-se na publicidade.
Ao mesmo tempo que desenvolve uma atividade profissional, o jovem vai alimentando o prazer da escrita e, em 1963, publica "A Liturgia do Sangue". Passa por Direito e Letras, embora nunca chegue a concluir qualquer das licenciaturas. Apesar das dificuldades num país amordaçado pela ditadura, vai escrevendo e publicando: "Tempo da Lenda das Amendoeiras" (1964), "Adereços, Endereços" (1965), "Insofrimento In Sofrimento" (1968). Será protagonista no chamado Canto Livre Perseguido já depois da sua adesão ao Partido Comunista em 1969. Com a PIDE à espreita, será várias vezes concorrente com sucesso no Festival RTP da Canção, escrevendo os poemas das músicas vencedoras em 1969 ("Desfolhada Portuguesa", na inesquecível interpretação de Simone de Oliveira), 1971 ("Menina do Alto da Serra", com a voz de Tonicha), 1973 ("Tourada", cantada de forma memorável por Fernando Tordo, com quem irá escrever mais de uma centena de canções) e 1977 ("Portugal no Coração", com o grupo Os Amigos a cantar, um sexteto onde estavam, por exemplo, Paulo de Carvalho e Fernando Tordo). Mas os seus poemas ganharão brilhos variados em vozes como as de Amália Rodrigues, Carlos do Carmo ("Lisboa, Menina e Moça", "Os Putos", o marcante álbum "Um Homem na Cidade"), Mariza, Mafalda Arnauth, entre outros. Participa em convívios e tertúlias literárias com Natália Correia, Alexandre O'Neill, Amália Rodrigues e muitos outros. E nunca deixa de publicar: "Fotos-grafias" e "Ary por si Próprio" (ambos de 1970), "Resumo" (1973), "Poesia Política" (1974).
A sua vertente política é outra marca forte que ganhou novas dimensões após o 25 de Abril - num tempo efervescente, Ary dos Santos andou por todo o país em ações e campanhas de dinamização cultural e, sendo ele próprio um homem de excessos - tabaco, comida e bebida, algo que contribuiria para a cirrose que iria vitimá-lo antes dos 50 anos -, acabou por também se envolver em atos como a invasão à embaixada de Espanha durante o período conhecido como verão quente de 1975. Desse ano é "Llanto para Alfonso Sastre y Todos", mas também "As Portas que Abril Abriu", seguindo-se "Bandeira Comunista" (1977), "Ary por Ary" e "O Sangue das Palavras" (os dois de 1979), "Ary 80" (1980) e "Vinte Anos de Poesia" (1983).
Poderoso declamador, deixou gravações que são bem a demonstração desse poder como no já referido "As Portas que Abril Abriu". A cirrose interrompeu-lhe o brilhantismo e o caráter invulgar, matando-o a 18 de janeiro de 1984, numa fase em que trabalhava em "As Palavras das Cantigas" (livro de poemas), mas também num romance autobiográfico que se intitulava "Estrada da Luz - Rua da Saudade", todos publicados de forma póstuma.
Edições Avante
A parceria mais produtiva que Ary dos Santos estabeleceu foi ao lado de Fernando Tordo com quem escreveu mais de uma centena de canções.
Fernanda Silva tem participação regular aqui no blog. Tudo começou com "O Universo num Grão de Areia", de Mia Couto, a 28 de abril, seguindo-se "A Vida Sonhada das Boas Esposas", de Possidónio Cachapa (11 de maio), "Uma Mentira Mil Vezes Repetida", de Manuel Jorge Marmelo (8 de junho), "Bom Dia, Camaradas", de Ondjaki (27 de junho), "Quem me Dera Ser Onda", de Manuel Rui (5 de julho), e "O Sol e o Menino dos Pés Frios" (16 de julho), de Matilde Rosa Araújo. No passado dia 8 de outubro voltou com "O Tecido de Outono", de António Alçada Baptista e, a 27, leu "Histórias que me Contaste Tu", de Manuel António Pina, seguindo-se "Imagias", de Ana Luísa Amaral, a 12 de novembro, e "Os Memoráveis", de Lídia Jorge, apresentado no passado dia 16. A 23 de novembro, Fernanda Silva leu um trecho do livro "Do Grande e do Pequeno Amor", de Inês Pedrosa e Jorge Colombo. A 5 de dezembro apresentou "O Cavaleiro da Dinamarca", de Sophia de Mello Breyner Andresen.
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