Jornalista com um percurso em jornais e na televisão ao longo de dezenas de anos, muitos conhecem Mário Zambujal sobretudo por causa de "Crónica dos Bons Malandros", mas da sua vida literária fazem parte muitos outros livros de grande qualidade. Fernanda Silva lê aqui um trecho de um desses casos, "Rodopio", publicado em 2019.
Nessa altura, foi a estreia literária do jornalista que tinha percurso nos jornais e apresentava programas de desporto na RTP. Se fosse feito um inquérito de rua a propósito de livros escritos por Mário Zambujal, seguramente a esmagadora maioria responderia de imediato "Crónica dos Bons Malandros" - tornou-se um clássico com múltiplas edições, direito a adaptação cinematográfica realizada em 1984 por Fernando Lopes (com um elenco em que estavam, por exemplo, o próprio Mário Zambujal como narrador, João Perry, Lia Gama, Nicolau Breyner, Maria do Céu Guerra, Pedro Bandeira Freire, Duarte Nuno) e tema musical principal interpretado por Paulo de Carvalho que também era personagem no filme. Mas também se tornou série televisiva recentemente, agora com realização de Jorge Paixão da Costa, escrita por Mário Botequilha e com interpretações de Marco Delgado, Maria João Bastos, Rui Unas, Joana Pais de Brito, Manuel Marques, Adriano Carvalho e José Raposo. E foi também um musical, estreado em 2011, com Francisco Santos como autor do guião. Só que Mário Zambujal e o seu trabalho são, obviamente, muito mais do que isto...
Mário Joaquim Marvão Gordilho Zambujal é alentejano de Moura, onde nasceu a 5 de março de 1936, irmão do grande caricaturista Francisco Zambujal. Com 15 anos já escrevia contos no suplemento de cariz satírico "Os Ridículos", dirigido por Rebelo da Silva. "Gostava muito de jogar futebol [foi júnior e capitão de equipa no Sport Faro e Benfica costuma dizer que se perdeu um grande médio com o único problema de ter "um pé esquerdo cego"] e de bailes, neste caso porque aproximar-me de raparigas era muito difícil, havia sempre quatro primos, cinco irmãos, não havia escolas mistas - a jornada de domingo de manhã era ver as meninas a sair da missa e já era uma coisa fantástica. Mas, nos bailes, a partir do momento em que começava uma coisa chamada conjunto musical, o mundo mudava; não só podíamos falar com as raparigas como abraçá-las, abraçá-las muito", recordou, com humor, a José Fialho Gouveia em entrevista de 2011 na RTP.
O jornalismo e a comunicação em geral tornaram-se parte fundamental da sua vida, mas a entrada no jornal A Bola aconteceu quase por acaso como lembrou na citada entrevista. "Adoeceu o Nobre da Costa, correspondente do jornal no Algarve, onde eu vivia, e como eu já escrevia umas coisas nos jornais, pediu-me para o substituir a fazer as crónicas dos jogos. Eu fui, quando ele ficou bom disseram para ficarmos os dois e sem demora convidaram-me a vir para a redação", contou. "E, portanto, com a pneumonia de um gajo começou a minha vida profissional", concluiu cheio de piada.
Iria exercer funções em diferentes jornais e com variedade de papéis, admitindo que fora tratado "maravilhosamente" na redação do n.º 23 da Travessa da Queimada e que, quando saiu, ao fim de cinco anos, sentiu que "estava a ser de uma ingratidão muito grande". E lembrou: "O Vítor Santos [histórico chefe de redação do jornal] quase chorou quando vim embora, nunca tinha havido alguém a sair do jornal, mas eu não queria fazer só desporto", disse.
Foi para o Diário de Lisboa, continuando no Bairro Alto, e chegou a subchefe de redação. "E depois andei aos saltos, porque tenho uma personalidade instável e também porque começar alguma coisa é sempre um desafio", justificou. Os saltos significaram passagens por Record (foi subdiretor), O Século e Diário de Notícias (foi chefe de redação nos dois), Se7e e Tal & Qual (foi diretor) e colunista do 24 Horas. Em 1975, quando a diretora da revista Modas & Bordados foi saneada pela redação, Francisco Sousa Tavares, então diretor do jornal O Século ao qual a publicação estava ligada, chamou-o e disse-lhe que seria diretor da revista por escolha da redação. "Pedi só duas coisas", contou na RTP. "Uma, era que seria interino e a revista passaria a chamar-se Mulher, mesmo que continuasse a ter, por baixo desse nome, a designação anterior; outra, foi que nomeassem Maria Lamas, grande figura da Cultura deste país e criadora da revista, diretora honorária. E, então, peguei no carro e, com toda a redação da revista, fomos a Évora tomar chá e comer palitos de la Reine com a Maria Lamas. E foi assim que fui diretor da Modas & Bordados durante uns meses", relembrou.
Na rádio, é histórica a sua colaboração com Carlos Cruz no programa "Pão com Manteiga", tal como são bem conhecidas as suas incursões na escrita televisiva: "Lá em Casa Tudo Bem", "Isto é o Agildo", "Nós, Os Ricos" ou "Os Imparáveis". Mas, na RTP, empresa onde trabalhou durante mais tempo, o seu contacto mais próximo com os telespectadores foi no papel memorável como apresentador de programas desportivos: Grande Encontro e Domingo Desportivo.
Quanto a livros, depois da estreia, Zambujal voltou em 1983 com "Histórias do Fim da Rua" e em 1986 com "À Noite Logo se Vê", seguindo-se um interregno de quase duas dezenas de anos até "Fora de Mão" (2003). E aí, recuperado o fôlego, passou a publicar com regularidade: "Primeiro as Senhoras" (2006), "Já Não se Escrevem Cartas de Amor" (2008), "Uma Noite Não São Dias" (2009), "Dama de Espadas" (2010), "Longe é um Bom Lugar" (2011). Na referida entrevista com José Fialho Gouveia, a propósito desta obra, contou que António Mega Ferreira chegara a convidá-lo para ser escritor a tempo inteiro, mas recusara por considerar que não queria escrever por obrigação e sim por prazer como sempre o fizera. "O prazer da leitura é algo que quero ter para mim quando leio e proporcionar aos leitores quando escrevo", defendeu nessa entrevista.
E assim continuou: "Cafuné" (2012), "O Diário Oculto de Nora Rute" (2013), "Serpentina" (2014), "Talismã - A Desordem Natural das Coisas" (2015), "Romão e Juliana" (2016), "Então, Boa Noite" (2018) e "Rodopio" (2019), do qual Fernanda Silva aqui apresenta um excerto.
Participa ainda na escrita conjunta de romances como "Os Novos Mistérios de Sintra" (2005), ao lado de Alice Vieira, José Jorge Letria, José Fanha, João Aguiar e Luísa Beltrão, ou "O Código de Avintes" (2006), com os mesmos parceiros e ainda Rosa Lobato de Faria.
Pai da escritora Isabel Zambujal, que se dedica a um público mais jovem, e de Rui Zambujal, mais empenhado na área da Biologia, Mário Zambujal é o atual presidente do Clube dos Jornalistas.
Clube do Autor
"É bom ter um grande armazém de vocabulário, mas não utilizar as palavras só para se mostrar que se sabe, porque há palavras certas para estabelecer a comunicação", disse Mário Zambujal na RTP em 2011.
Fernanda Silva tem participação regular aqui no blog. Tudo começou com "O Universo num Grão de Areia", de Mia Couto, a 28 de abril, seguindo-se "A Vida Sonhada das Boas Esposas", de Possidónio Cachapa (11 de maio), "Uma Mentira Mil Vezes Repetida", de Manuel Jorge Marmelo (8 de junho), "Bom Dia, Camaradas", de Ondjaki (27 de junho), "Quem me Dera Ser Onda", de Manuel Rui (5 de julho), e "O Sol e o Menino dos Pés Frios" (16 de julho), de Matilde Rosa Araújo. No passado dia 8 de outubro voltou com "O Tecido de Outono", de António Alçada Baptista e, a 27, leu "Histórias que me Contaste Tu", de Manuel António Pina, seguindo-se "Imagias", de Ana Luísa Amaral, a 12 de novembro, e "Os Memoráveis", de Lídia Jorge, apresentado no passado dia 16. A 23 de novembro, Fernanda Silva leu um trecho do livro "Do Grande e do Pequeno Amor", de Inês Pedrosa e Jorge Colombo. A 5 de dezembro apresentou "O Cavaleiro da Dinamarca", de Sophia de Mello Breyner Andresen e a 28 do mesmo mês fez a última leitura de 2020: "Na Passagem de um Ano", de José Carlos Ary dos Santos. A 10 de janeiro apresentou a sua primeira leitura de 2021 com "Cicatrizes de Mulher", de Sofia Branco e, no dia 31 desse mês, leu um trecho de "Mar me Quer", escrito por Mia Couto.
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