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Paulo Jorge Pereira

Fernanda Silva lê "O Universo num Grão de Areia", de Mia Couto

Aqui se apresenta a obra que reúne diversas intervenções de Mia Couto em espaços e momentos diferentes: discursos, conferências e artigos com o escritor moçambicano como protagonista. "Avó com saudades do neto (e vice-versa)" neste contexto de pandemia, Fernanda Silva desenvolve no Facebook um projeto de leituras para crianças.



"Há uma arma de destruição massiva que está a ser usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam necessários pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século XXI, um em cada seis seres humanos passa fome": este excerto de uma conferência proferida por Mia Couto no Estoril, em 2011, e que intitulou "Murar o medo", integra "O Universo num Grão de Areia". É apenas um dos inúmeros exemplos das intervenções do escritor moçambicano que fazem parte desta obra, selecionada por Fernanda Silva para leitura aqui no livroslidos.pt. Mais à frente, o escritor sublinha: "Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida. A verdade é que sobre grande parte dos habitantes do planeta pesa uma condenação antecipada pelo simples facto de serem mulheres", pode ler-se.

"Mia Couto - sou autor do meu nome", um documentário de Solveig Nordlund, datado de 2019, acompanha "vida e obra do escritor moçambicano". A frase do título refere-se à questão de Mia ser o pseudónimo que ele próprio adotou para si por gostar de gatos, pois o seu nome é António Maria Leite Couto. Nascido a 5 de julho de 1955 na Beira, em Moçambique, filho de portugueses - o pai, Fernando Couto, era jornalista e poeta -, e aos 14 anos já tinha poemas publicados no "Notícias da Beira". A partir de 1971 vive em Lourenço Marques (atual Maputo) e ali estuda Medicina, embora não chegue a concluir a licenciatura. Três anos mais tarde torna-se jornalista, trabalhando na "Tribuna" e "Jornal de Notícias" antes de ser escolhido para diretor da Agência de Informação em 1976. Ainda integrou a revista Tempo (79/81), mas acabaria por afastar-se do jornalismo em 1985, já depois de publicar o seu primeiro livro de poesia, "Raízes de Orvalho" (1983). O passo seguinte foi a Biologia na universidade, especializando-se em Ecologia, de que seria professor, além de ser o responsável pela proteção à reserva natural da ilha de Inhaca (1992).

Poesia, romance, crónicas, contos - a obra de Mia Couto é polifónica, com uma linguagem criativa e não se esgota num género. Multipremiado, com relevo para o Prémio Camões em 2013, não faltam exemplos do seu invulgar talento escrito, em alguns casos já adaptado ao cinema: "Vozes Anoitecidas" (1987), "Cronicando" (1988), "Cada Homem é uma Raça" (1990), "Terra Sonâmbula" (1992), "Estórias Abensonhadas" (1994), "A Varanda do Frangipani" (1996), "Vozes Anoitecidas" (1999), "Mar me Quer" e "O Último Voo do Flamingo" (ambos de 2000), "Na Berma de Nenhuma Estrada" (2001), "Um Rio Chamado Tempo" (2002), "O Fio das Missangas" e "O País do Queixa Andar" (2003), "A Chuva Pasmada" (2004), "O Outro Pé da Sereia" (2006), "Jesusalém" e "E se Obama fosse Africano? e Outras Intervenções" (2009), "Pensageiro Frequente" (2010) ou a trilogia As Areias do Imperador, composta pelas obras "Mulheres de Cinzas" (2015), "A Espada e a Azagaia" (2016) e "O Bebedor de Horizontes" (2017).

Voltando à intervenção nas Conferências do Estoril, ela incluiu uma citação do escritor uruguaio Eduardo Galeano, dedicada ao medo global: "Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras". E Mia Couto concluiu: "E, se calhar, acrescento eu, há quem tenha medo que o medo acabe".


Editorial Caminho

"Num planeta que nos orgulhamos de ter convertido numa única aldeia, a realidade mais globalizada é a fome", escreve Mia Couto, recuperando a sua intervenção nas Conferências do Estoril em 2011, intitulada "Murar o Medo". No mesmo texto lembra a violência contra as mulheres, as desigualdades e o peso exercido pelo medo.

"Avó com saudades do neto (e vice-versa)" neste contexto de pandemia que obriga ao distanciamento social, Fernanda Silva tem desenvolvido um projeto de leituras para crianças no Facebook que pode ser visto em termos públicos e no seu perfil da rede social.


*Um excerto de outra obra de Mia Couto, "Terra Sonâmbula", já foi apresentado aqui no livroslidos.pt, a 14 de abril.


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