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Paulo Jorge Pereira

Inês Henriques lê "351 Tisanas", de Ana Hatherly

Não foi apenas na poesia que Ana Hatherly se destacou - o seu vasto trabalho estende-se às artes visuais (pintura, desenho, cinema) e à docência universitária. Aqui se recorda o momento em que Inês Henriques escolheu fragmentos de "351 Tisanas" para lembrar um grande nome da Cultura portuguesa, desaparecido em 2015.



Mais do que tudo o resto, era à música que Ana Hatherly pretendia dedicar-se, mas "um problema de saúde" não lho permitiu, conforme confessou em entrevista a Ana Sousa Dias na RTP em 2004, no programa "Por Outro Lado". "Tentei ser cantora lírica. Quando estava numa fase relativamente adiantada fui para a Alemanha para me especializar em música barroca. Ia recomendada, fui ter com um maestro muito conhecido que já morreu, ele pediu-me que cantasse alguma coisa, eu cantei e ele disse: 'Tem tudo menos corpo.' Eu era muito magrinha, era soprano muito agudo, mas ele disse que não tinha estrutura para aguentar. Insisti e, ao fim de alguns meses nas aulas particulares, fui direta para o sanatório na Suíça com perfuração num pulmão", recordou. A música voltava-lhe as costas, mas as artes não o fariam. Hatherly passou um ano no sanatório numa estância de esqui, local com ressonâncias na Literatura: da janela do seu quarto via a casa onde vivera a contista neozelandesa Katherine Mansfield e era a terra onde Paul Célan passara férias. Vendo-a desolada por não ter possibilidades de fazer carreira musical, o médico que a tratara ofereceu-lhe uma Parker de tinta permanente e alento para que não deixasse de tentar outras vias nas artes. "A criatividade é como um prego num saco - encontra sempre saída para a ponta. Se tem alguma capacidade criadora, experimente escrever. É bem mais descansado do que cantar", disse-lhe. Aceitou o conselho do psicólogo e a Cultura ficou a ganhar.

Ana Hatherly nascera no Porto, a 8 de maio de 1929. Perdeu os pais ainda muito jovem e ficou entregue aos cuidados da avó materna, "uma pessoa extraordinária e muito católica". Admite que a avó lhe contava muitas histórias e que, quando escreveu a obra "351 Tisanas", "poemas em prosa ou semi-fábulas, talvez ela tenha ressuscitado um pouco nesse meu método de contar". Outra influência da avó foi a sua paixão pelo cinema, as frequentes visitas ao Rivoli e o facto de o seu filme favorito ser "O Homem Invisível". "Povoou a minha infância de terror numa casa antiga em que o chão rangia e as portas chiavam", lembrou a rir na conversa com a jornalista. Recebeu uma educação "muito severa, num ambiente tradicional", que incluía presença regular na Capela das Almas, na rua de Santa Catarina. Desses contactos com o barroco resultou a sua paixão pelo estilo em que iria especializar-se quando se tratou de fazer investigação universitária. Depois do abalo que foi a perda de uma carreira musical, em 1958 publicou o primeiro livro, "Um Ritmo Perdido", ao qual se seguiram "As Aparências" e "A Dama e o Cavaleiro". "Com os primeiros três livros não acreditei muito que fosse algo capaz de compensar por aquela perda que considerava irreparável", contou a Ana Sousa Dias. Na década de 60 adere ao movimento da Poesia Experimental com António Aragão, Herberto Helder, Melo e Castro, Salette Tavares, entre outros, tornando-se uma figura da vanguarda literária até aos anos 80. "Encontrei aí a minha saída para a revolta, raiva e indignação que sentia com coisas que se tinham passado na minha vida e estavam a passar-se no país", lembrou na entrevista citada. Entretanto, trabalhava também na representação visual da escrita, em pintura e desenho, fazendo diversas exposições em Portugal e fora do país. Durante décadas vai estudar a caligrafia chinesa, mostrando que "a escrita ocidental é tão bela como a oriental" e que era necessário "as pessoas deixarem de ler para poderem ver". No fundo, mostrou "a escrita e não o escrito, a representação visual e não a semântica", conforme apresentou em "Mapas da Imaginação e da Memória".

Licenciada em Filologia Germânica, oferece a si própria um curso de cinema na London Film School com especialização em Animação. Passa por Lisboa a caminho do Egipto na véspera do 25 de Abril e fica, só muito mais tarde cumprindo o projeto de visitar o país africano. Graças à oferta de uma câmara Super 8 por parte de uma amiga italiana, sai à rua para imortalizar em filme os cartazes e as pinturas que pululavam por Lisboa no período após a Revolução. "Filmava e arrancava algumas das coisas para fazer depois um trabalho de montagem que está no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian [nove painéis com o título "Descolagens"], mas fui muitas vezes agredida porque as pessoas pensavam que eu era contra aquilo que estava nos cartazes", recordou. Em 1976, o filme que dali resultou, intitulado "Revolução", é exibido na Bienal de Veneza. De súbito viu-se sem dinheiro, teve de vender a casa e tudo o que tinha para sobreviver até dispor de trabalho. Entre 1977 e 1979 inova na RTP, apresentando em direto o programa "Obrigatório Não Ver", sempre à meia-noite.

Em 1980 candidata-se a um lugar de professora nos Estados Unidos, recebendo um convite da Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde aproveitaria para se doutorar em Literaturas Hispânicas. Era assistente, ensinava Português e, com o salário de professora, pagava os 10 mil dólares correspondentes às propinas. Faz algumas traduções, sobretudo de poesia, de que é exemplo parte da obra de Rilke. E continua a escrever - num intervalo de 30 anos, publica quase três dezenas de livros de entre poesia e prosa, recebendo diversos prémios. No ramo do ensino, passa também pela Escola Superior de Cinema e no AR.CO lisboeta. Mais tarde chega a integrar a direção da Associação Portuguesa de Escritores e ajuda a criar o PEN Clube, passando mesmo pela sua presidência. Professora catedrática no departamento de Literatura Portuguesa da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas na Universidade Nova, ali ajudou a criar e presidiu ao Instituto de Estudos Portugueses.

Morreu a 5 de agosto de 2015 com 86 anos.


Quimera


"Um Ritmo Perdido", o primeiro livro de Ana Hatherly, em 1958, era uma alusão à carreira perdida e tão desejada na música.

Inês Henriques é presença regular aqui no blog. A paixão e o carinho pelos livros têm acompanhado a sua vida. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Franceses), escolheu o Jornalismo como profissão e o Desporto como área de atuação. Realizado o curso profissional no CENJOR, foi estagiária na Agência Lusa, à qual voltaria mais tarde, e trabalhou no jornal A Bola antes de entrar na redação do Portal Sapo. Neste contexto, a proximidade do desporto adaptado levou-a a escrever "Trazer o Ouro ao Peito - a fantástica história dos atletas paralímpicos portugueses", publicado em 2016. Agora, apesar de já não estar no universo profissional do Jornalismo, continua atenta a essa realidade ao mesmo tempo que tem sempre um livro para ler. E vários autores perto do coração.

Aqui no blog, estreou-se a 27 de abril de 2020 com "Perto do Coração Selvagem", de Clarice Lispector; voltou a 10 de maio e leu um excerto de "A Disciplina do Amor", de Lygia Fagundes Telles; no último dia de maio apresentou parte de "351 Tisanas", obra de Ana Hatherly; a 28 de junho, propôs literatura de cordel, com um trecho do livro "Clarisvânia, a Aluna que Sabia Demais", escrito por Luís Emanuel Cavalcanti; a 22 de agosto apresentou um excerto da obra "Contos de Amor, Loucura e Morte", escrita por Horacio Quiroga; a 15 de setembro leu um trecho de "Em Açúcar de Melancia", de Richard Brautigan; a 18 de novembro voltou com "Saudades de Nova Iorque", de Pedro Paixão, e na quinta-feira, 10 de dezembro, prestou a sua homenagem a Clarice Lispector no dia em que a escritora faria 100 anos, lendo um conto do livro "Felicidade Clandestina". Três dias mais tarde apresentava "Os Sete Loucos", de Roberto Arlt. A 3 de janeiro leu um trecho de "Platero e Eu", de Juan Ramón Jiménez. No dia 8 foi a vez de ter o seu livro em destaque por aqui, quando li um excerto de "Trazer o Ouro ao Peito". A 23, a Inês voltou e leu um trecho do livro "O Torcicologologista, Excelência", de Gonçalo M. Tavares e no dia 1 de fevereiro foi uma das participantes no Especial dedicado ao Dia Mundial da Leitura em Voz Alta com "Papéis Inesperados", de Julio Cortázar. A 13 de fevereiro apresentou um excerto do livro "Girl, Woman, Other", de Bernardine Evaristo, participando a 8 de março no Especial dedicado ao Dia Internacional da Mulher com a leitura de um trecho do livro "A Ilha de Circe", de Natália Correia. A 5 de maio participou, com Armando Liguori Junior, no Especial dedicado ao Dia Mundial da Língua Portuguesa.

No dia 22 de maio, ao lado de Raquel Laranjeira Pais e Rui Guedes, contribuiu para o Especial dedicado ao Dia do Autor Português. A 1 de junho interveio no Especial do Dia Mundial da Criança com "Ulisses", de Maria Alberta Menéres. A 7 de agosto, Inês Henriques leu um pouco da obra de estreia de Duarte Baião, "Crónicas do Desassossego". Chico Buarque e "Essa Gente" estiveram na sua leitura a 17 deste mês e, no dia 20, foi a vez de um pedaço do livro "À Noite Logo se Vê", de Mário Zambujal. "Sobre o Amor", de Charles Bukowski, foi a sua leitura de 7 de setembro, seguindo-se "Na América, Disse Jonathan", dois dias mais tarde. No domingo, dia 12, foi "Dom Casmurro", de Machado de Assis, a sua escolha para ler. Dia 15 foi o escolhido para apresentar "Coração, Cabeça e Estômago", de Camilo Castelo Branco. "Flores", de Afonso Cruz, foi a sua proposta no passado dia 17. A 21 de setembro apresentou "Normal People", de Sally Rooney. A 30 de setembro revelara a mais recente leitura: "Sartre e Beauvoir: A História de uma Vida em Comum", de Hazel Rowley. "Desamor", de Nuno Ferrão, surgiu a 20 de novembro, seguindo-se, além da já mencionada em cima leitura de "Amor Portátil", também a obra "Niketche: Uma História de Poligamia", de Paulina Chiziane, no dia 13, e ainda "Olhos Azuis, Cabelo Preto", de Marguerite Duras, no dia 22. Na véspera de Natal, Pedro Paixão e "A Noiva Judia" foram os convidados na leitura de Inês Henriques.

A 1 de fevereiro, Dia Mundial da Leitura em Voz Alta, apresentou um trecho de "Todas as Crónicas", de Clarice Lispector. "Platero e Eu", de Juan Ramón Jiménez, que aqui estivera em janeiro de 2021, regressou no sábado, dia 12 de fevereiro. Dois dias depois começava a leitura de excertos do livro "A Nossa Necessidade de Consolo é Impossível de Satisfazer", do sueco Stig Dagerman, que se concluiu a 19 de fevereiro. A 28, o regresso às leituras por aqui fez-se com um excerto de "Pedro Lembrando Inês", de Nuno Júdice. "Um, Ninguém e Cem Mil", de Luigi Pirandello, foi a leitura proposta no dia 4 de março. "Putas Assassinas", de Roberto Bolaño, surgiu a 10 de março. Herberto Helder e "A Menstruação Quando na Cidade Passava", do livro "Poemas "Completos", foram a leitura seguinte. No dia 19, a proposta recaiu sobre "A Noite e o Riso", de Nuno Bragança. A 2 de abril, aqui se recuperara a sua leitura de um trecho da obra "Em Açúcar de Melancia", de Richard Brautigan. No dia seguinte homenageou a falecida Lygia Fagundes Telles com um trecho da obra "A Disciplina do Amor" e a 23 aqui recuperei a sua leitura de "Novas Cartas Portuguesas", de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.

No Especial dedicado ao 25 de Abril, Inês Henriques apresentou um excerto da obra "Os Filhos da Madrugada", de Anabela Mota Ribeiro. A 5 de maio, no Especial dedicado ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, propôs "Manual de Pintura e Caligrafia", de José Saramago. A 6 de junho leu "A Sangrada Família", de Sandro William Junqueira. No dia 1 de agosto, a escolha recaiu no japonês Junichiro Tanizaki com um excerto da obra "A Confissão Impudica". De 10 de outubro é a homenagem à nova Nobel da Literatura, Annie Ernaux, com um excerto do livro "Uma Paixão Simples". A 21 de outubro leu "Para Onde Vão os Guarda-Chuvas", de Afonso Cruz. De 14 de novembro, no Especial Centenário de José Saramago, é a recuperação da sua leitura de um excerto da obra "Manual de Pintura e Caligrafia".

No Especial 1.000 Leituras de dia 23, "A História de Roma", de Joana Bértholo, foi a sua escolha. No dia 28 trouxe um pouco do livro "A Carne", cuja autora é Rosa Montero. O último dia de 2022 mostrou-a a ler um trecho da obra "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar. Voltou a 10 de fevereiro e leu um pouco do livro "Um Bom Homem É Difícil de Encontrar", de Flannery O'Connor. No dia 14 de fevereiro, a leitura proposta foi "Falha", de Sarah Kane. A 8 de março, no Especial sobre o Dia Internacional da Mulher, leu "Os Anos", de Annie Ernaux. E, a 21, quando aqui surgiu o Especial dedicado ao Dia Mundial da Poesia, cá esteve a ler "What's in a Name", de Ana Luísa Amaral. "A Cerimónia do Adeus", de Simone de Beauvoir, foi a sua proposta de 31 de março. A 26 de abril leu um excerto de "Sopro", de Tiago Rodrigues.

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