No regresso às leituras para o blog, Inês Henriques recorre ao uruguaio Horacio Quiroga para a leitura de um excerto de "Contos de Amor, Loucura e Morte", apresentando o conto "O Almofadão de Penas".
Uruguaio nascido em Salto, no último dia do ano de 1878, Horacio Silvestre Quiroga Forteza deixou importante contributo para a fundação dos contos entendidos na sua vertente mais moderna, mas também escreveu para teatro e ainda poesia. A sua escrita aproxima-se das histórias sombrias que Edgar Allan Poe (cuja obra leu, assim como sucedeu com a de Guy de Maupassant) nos legou, muitas vezes aproveitando a selva da área argentina de Misiones, onde chegou a viver, como fonte temática em alguns dos seus livros. Literatura, fotografia, mecânica, química e ciclismo foram áreas de interesse do jovem Horacio, de tal forma que chegou mesmo a criar a Sociedad de Ciclismo de Salto e realizou de bicicleta uma viagem de 120 km entre Salto e Paysandú. Também se dedicou à filosofia, colaborou com as publicações La Revista e La Reforma, escrevendo as suas primeiras poesias entre 1894 e 1897.
De 1898 é o enamoramento por María Esther Jurkovski, mas, apesar de ser a sua musa inspiradora em "Las Sacrificadas" e "Una Estación de Amor", o relacionamento foi interrompido porque os pais da rapariga não toleravam o facto de Horacio não ser judeu. No ano seguinte ajuda a criar a Revista de Salto e aproveita parte da herança do padrasto para conhecer Paris, mas regressa doente e sem dinheiro, contando as suas experiências na obra "Diario de un Viaje a Paris" (1900). Com Federico Ferrando,
Julio Jaureche, Fernández Saldaña, Alberto Brignole, José María Delgado e Asdrúbal Delgado cria o Consistorio del Gay Saber, grupo literário que iria dedicar-se a experiências modernistas e polemizar com outros agrupamentos semelhantes. Em 1901 estreia-se a publicar com "Los Arrecifes de Coral", mas acaba por mudar-se para a Argentina, passa a viver com a irmã María e o cunhado consegue colocá-lo como professor no Colegio Nacional de Buenos Aires. Em junho de 1903, o seu fascínio pela fotografia e pela selva conjugam-se na viagem a Misiones em que acompanha outro escritor, Leopoldo Lugones, com suporte do Ministério da Educação. Em 1904 publica o seu primeiro livro de contos, "El Crimen del Otro", recebe elogios e passa a publicar contos na revista Caras y Caretas, vendo crescer a sua fama. A paixão pela selva leva-o a comprar uma casa em Misiones, à sociedade com o amigo Vicente Gozalbo. Uma outra paixão, esta pela sua aluna Ana María Cilbes, transforma-se em dedicatória do seu primeiro romance, "Historia de un Amor Turbio", e num casamento, depois de muita insistência para convencer os pais da adolescente. Ainda assim, preocupados com os perigos que a vida na selva poderiam ser enfrentados pela filha, os sogros de Horacio seguiram o casal e passaram a viver numa casa próxima.
Em 1911 nasceu Eglé, a primeira filha do casal, seguindo-se Darío em 1912. Horacio iria agir na educação dos seus filhos de forma que não admitia palpites de mais ninguém, sujeitando-os ao hábito de viverem na selva sem receios dos perigos que isso pudesse envolver. Fosse pelo modo como via os filhos serem tratados pelo marido ou por outras razões, a verdade é que Ana María Cilbes iria desferir contundente golpe na vida do escritor, pois em 1915 recorreu a produtos tóxicos que Horacio usava na fotografia para se suicidar. Horacio Quiroga voltou a deixar a selva, desta vez com os filhos, voltando para Buenos Aires onde passou a desempenhar funções no consulado do Uruguai, continuando a publicar contos em diferentes revistas. A coletânea "Contos de Amor, Loucura e Morte" resulta em 1917 de textos que fora publicando na imprensa. O convite para publicar esta coletânea que lhe lançara o escritor Manuel Gálvez torna-se num enorme sucesso e o nome de Horacio Quiroga passa a figurar como um dos de maior prestígio entre os contistas da América Latina.
Segue-se um livro de histórias infantis, "Cuentos de la Selva", dedicado aos filhos, outra obra de contos ("El Salvaje") e, depois de criar a Agrupación Anaconda - polo literário para o desenvolvimento de diferentes iniciativas de cariz cultural, fosse na Argentina ou no Uruguai -, publica o único exemplo de teatro do seu percurso: "Las Sacrificadas" (1920). La Nación e La Novela Semanal são outras publicações em que colabora ao mesmo tempo que lança "Anaconda y Otros Cuentos" e "El Desierto". Escreve crítica de cinema e até o guião para o filme "La Jangada Florida", mas este jamais virá a concretizar-se. Torna a apaixonar-se por uma adolescente, Ana María Palacio, de 17 anos, mas desta vez as suas tentativas de convencer os pais não resultam - estes afastam-na do escritor e viajam com ela para parte incerta, deixando Horacio frustrado a viver outra vez em Misiones (mas com tema para o segundo romance, "Pasado Amor", que publicará em 1929). No dealbar de 1926 regressa a Bueno Aires, chega a ser homenageado e, no ano seguinte, volta a apaixonar-se, então por María Elena Bravo, colega de escola da sua filha Eglé, com quem se casará nesse mesmo ano. O regresso definitivo a Misiones acontece em 1932, acompanhado pela mulher e pela filha María Elena, resultado desse segundo casamento. Com a mudança de governo na Argentina passa a enfrentar dificuldades, deixa de ser funcionário no consulado e recorre a amigos para conseguir uma reforma. Ao mesmo tempo, tal como sucedera no primeiro casamento, a segunda mulher detesta a vida na selva e os conflitos com Horacio são frequentes. Em 1935 começam as dificuldades e dores ao urinar, os problemas familiares prosseguem e Horacio fica sozinho na selva a partir de 1936, uma vez que Ana María Palacio e a filha, María Elena, se instalam na capital argentina. A separação e o agravamento do estado de saúde deixam-no deprimido e sem saber como reagir aos problemas na próstata.
Com um final trágico, a vida do escritor fora recheada de momentos horrorosos: tinha apenas dois meses quando o pai, Prudencio Quiroga, ao descer de um barco após jornada de caça, se matou a si próprio, depois de a arma que transportava se disparar de modo inesperado, no momento em que o melhor amigo se aproximava com o pequeno Horacio nos braços para lho mostrar; a mãe voltou a casar-se em 1891, mas o padrasto do escritor, Mario Barco, também teve final dramático, pois cinco anos mais tarde sofreu um derrame cerebral, as sequelas deixaram-no paraplégico e mudo e, quando Horacio tinha apenas 18 anos e ia a entrar no seu quarto, o padrasto usou o dedo de um dos pés para premir o gatilho da espingarda e suicidar-se; Federico Ferrando, o seu melhor amigo, quis enfrentar num duelo o jornalista Germán Papini Zas, depois de este escrever críticas duras sobre a sua obra em 1901 - Horacio ofereceu-se para verificar a arma e acabou por atingir, de forma acidental, o amigo, matando-o de imediato. Foi detido e só o libertaram quatro dias mais tarde, depois de ter sido comprovado que o disparo acontecera por acaso (o sofrimento provocado pelo dramático episódio levou Horacio a viajar para solo argentino); e o escritor acabaria por suicidar-se num hospital em Buenos Aires, usando uma dose de cianeto depois de lhe ser diagnosticado cancro da próstata sem possibilidade de operação. As tragédias prosseguiram depois da sua morte, porque a filha e o filho (Eglé e Darío) também se suicidaram, respetivamente, em 1938 e 1952.
20|20 Editora/Cavalo de Ferro
"Contos de Amor, Loucura e Morte" foi o sexto livro publicado pelo escritor uruguaio, tendo saído em 1917.
Inês Henriques soma a quinta participação no blog. Estreou-se a 27 de abril com "Perto do Coração Selvagem", de Clarice Lispector; voltou a 10 de maio e leu um excerto de "A Disciplina do Amor", de Lygia Fagundes Telles; no último dia de maio apresentou parte de "351 Tisanas", obra de Ana Hatherly; e, a 28 de junho, propôs literatura de cordel, com um trecho do livro "Clarisvânia, a Aluna que Sabia Demais", escrito por Luís Emanuel Cavalcanti.
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