Zélia Gattai não foi só casada com o escritor Jorge Amado - era uma notável escritora, conforme o demonstrou através da obra publicada. Hoje, dia em que completaria 104 anos, aqui se recorda parte do diário do exílio do casal.
Corria sangue italiano nas veias de Zélia Gattai Amado de Faria, nascida a 2 de julho de 1916 como a mais nova de cinco irmãos, pois os pais, Angelina e Ernesto, eram imigrantes que buscaram no Brasil melhores condições de vida. Afinal, iriam fazer parte do movimento do operariado anarquista que conquistou inúmeros corações entre gente chegada não só de Itália, mas também de Portugal e Espanha. Aos 20 anos já Zélia se casava com Aldo Veiga, de quem teve um filho em 1942 e de quem se afastou após oito anos de vida em comum. Era leitora e admiradora de Jorge Amado quando o conheceu em 1945, tendo os dois começado por estar lado a lado graças ao movimento pela amnistia para os presos políticos. Decorreram apenas meses até Zélia e Jorge se tornarem um casal e, em 1946, após o escritor ser eleito para a Câmara Federal como candidato pelo Partido Comunista (PCB), passaram a viver no Rio de Janeiro, aqui nascendo o primeiro filho, João Jorge, em 1947. Mas depressa a situação se modificou, uma vez que o PCB foi ilegalizado pelo governo Dutra e todos os eleitos nas suas listas viram os mandatos sob cassação. Foi assim que a família teve de partir para o exílio, vivendo durante três anos entre Paris - fase que Zélia aproveitou para se matricular na Sorbonne e ali tirar os cursos de Civilização, Língua e Fonética Francesa -, seguindo-se a então Checoslováquia no começo dos anos 50 e onde nasceria a filha Paloma. É desta altura a escrita de "Jardim de Inverno", obra em que Zélia conta histórias das dificuldades no exílio, incluindo da viagem à China. Ao mesmo tempo dedicava-se à fotografia, passando a registar inúmeros episódios da vida de Jorge Amado nesse período. Mais tarde, em 1963, apresentaria a fotobiografia do escritor em "Reportagem Incompleta".
Depois do regresso ao Brasil, o casal iria ter oportunidade de se instalar em Salvador, na Bahia, naquela que ficou conhecida como Casa do Rio Vermelho e Zélia assumiu um papel ainda mais preponderante no plano cultural. Aos 63 anos resolveu escrever as memórias da sua vida, a obra intitulou-se "Anarquistas, Graças a Deus" e, duas décadas depois da edição de estreia, as vendas superavam os 200 mil exemplares. Em 1984, o livro ganhou também dimensão de minissérie, sendo Walter George Durst o autor.
Escreveu outros livros de memórias - "Um Chapéu para Viagem", "Senhora Dona do Baile", "Chão de Meninos", "A Casa do Rio Vermelho" ou "Città di Roma"), mas também romance ("Crónica de uma Namorada") e literatura infantil ("Pipistrelo das Mil Cores", "O Segredo da Rua 18", "Jonas e a Sereia"). De 2002 é a obra que escreveu com os filhos sobre lembranças de Jorge Amado, "Um Baiano Romântico e Sensual". Depois disso publicou "Memorial do Amor" e "Vacina de Sapo e Outras Lembranças".
Após a morte de Jorge Amado, que preenchera a vaga de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras, Zélia foi escolhida em 2002 para ocupar a cadeira que pertencera ao marido.
Companhia das Letras
Tinha 63 anos quando iniciou a escrita das memórias, cujo título foi "Anarquistas, Graças a Deus". Duas décadas depois da edição de estreia, estavam vendidos mais de 200 mil exemplares do livro.
Era sábado, dia 17 de maio de 2008. Em Salvador, Zélia Gattai, de 91 anos, fora internada no Hospital da Bahia a 16 de abril e recuperava de uma intervenção cirúrgica aos intestinos. Tivera uma fase de franca melhoria, mas, de repente, o processo inverteu-se e o seu estado de saúde piorou de forma considerável. Era sábado, dia 17 de maio de 2008, 16h30. Foi essa a hora que ficou registada como a da morte. Hoje faria 104 anos.
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