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Paulo Jorge Pereira

Joel Neto lê "Árvores", de António Ramos Rosa

Segunda participação do escritor Joel Neto aqui no livroslidos.pt, desta vez com um poema de António Ramos Rosa, autor que foi perseguido pela PIDE e cuja obra seria distinguida com inúmeros galardões, entre os quais o Prémio Pessoa em 1988.



"Metafórica, exuberante, solar" - num documentário sobre o poeta, da autoria da jornalista Diana Andringa para a RTP em 1997, intitulado "Estou Vivo e Escrevo Sol", foram estas as palavras que o professor e investigador universitário, poeta, ensaísta e cronista Arnaldo Saraiva usou para classificar a poesia de António Ramos Rosa, num evidente contraste com o "homem tímido, retraído, muito humilde, modesto e muito simples" que surgia aos seus olhos. Nascido em Faro, a 17 de outubro de 1924, Ramos Rosa, conforme descreveu no referido documentário, nunca esqueceu a condição "muito pobre" dos pais, algo que os condicionava ao ponto de "andarem sempre à procura de uma casa cuja renda pudessem pagar". Por isso, durante a infância, passou por "sete ou oito casas" até que, fruto do serviço que prestavam à Igreja de São Francisco, a família acabou por ficar a viver no convento adjacente durante nove anos. O espaço sombrio dava para o largo do mercado, local banhado pela luz, questão que é apontada como uma das fontes da necessidade do que é luminoso expressa nas páginas escritas pelo poeta. A situação altera-se em 1945 quando Ramos Rosa vai trabalhar em Lisboa. "Trabalhava num escritório comercial", contou a Diana Andringa, "uma escravatura e uma experiência do absurdo". Num certo dia de sol maravilhoso, saiu e nunca mais trabalhou com horário fixo para nenhuma empresa.

De regresso ao Algarve, António Ramos Rosa empenha-se no mundo do ativismo político e entra no MUD Juvenil, organização de combate contra a ditadura de Salazar que integrou nomes como Mário Soares, Júlio Pomar ou Octávio Pato. "Com todos os perigos que poderia envolver, tratou-se de uma experiência muito positiva, intensa e vasta", resumiu no documentário de Andringa. A sua estreita conexão à organização de uma das principais concentrações nacionais do movimento, no pinhal de Bela Mandil (concelho de Olhão), a 23 de março de 1947, colocou-o sob vigilância da PIDE, depois de ter enfrentado a PSP quando esta interrompeu o encontro e apontou metralhadoras aos participantes.

Seria sempre seguido por agentes do posto de Faro com relatórios em que se escreveu que Ramos Rosa era "adverso ao regime" e intitulava-se "democrata". Esteve preso durante três meses. No começo dos anos 50 assume papel de relevo na revista literária Árvore, uma experiência curta devido à proibição imposta pela censura, mas que terá continuidade noutras como Cassiopeia, Colóquio-Letras, Ler, O Tempo e o Modo, Seara Nova, entre outras. Apesar da "asfixia que era a característica social da repressão fascista", estreia-se a publicar em 1958 com "O Grito Claro" ao mesmo tempo que faz trabalhos como tradutor e explicador, nunca deixando de lado a cena cultural em Faro. A PIDE continua atenta aos seus trabalhos e do posto de Faro não cessam as indicações para a sede em Lisboa como sucede a propósito do ensaio "Poesia, Liberdade Livre". Em 1962, Ramos Rosa casa-se com Agripina Costa Marques, passando a viver na capital. Antes publicara "Viagem Através de uma Nebulosa" (1960), "Voz Inicial" e "Sobre o Rosto da Terra" (ambos de 1961). Até 1970 vão chegar mais cinco livros e, nos primeiros anos da década, recusa um prémio em dinheiro que a Secretaria de Estado da Informação lhe atribuiu. "Os marcelistas diziam que era uma abertura no espaço fechado do fascismo. E não era, nem foi, por isso recusei", relembrou no documentário de Diana Andringa. Prosseguiu o seu trabalho poético com publicações mais regulares depois do 25 de Abril, por vezes com mais de um livro por ano.

António Ramos Rosa viu a sua obra ser multipremiada ao longo do tempo e logo desde os trabalhos iniciais, com destaque para o Prémio PEN Clube Português de Poesia (1980), o Prémio Pessoa (1988) ou o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (2006). Entre 1958 e 2013, publicou mais de cinco dezenas de livros. Morreu a 23 de setembro de 2013, mas a sua poesia está bem viva, podendo ser acompanhada nos livros publicados, mas também em blogs com o seu nome ou através da comunidade que lhe é dedicada no Facebook.


O poema "Árvore" faz parte da "Obra Poética" em dois volumes, editada pela Assírio e Alvim

"Não escrevo apenas para ocupar o tempo. A criação poética e os trabalhos ensaísticos são para mim das coisas que me dão maior prazer", afirmou o escritor no documentário de Diana Andringa para a RTP em 1997.

Joel Neto já apresentou aqui uma leitura, a 17 de abril, então com um poema de António Gedeão, "Aurora Boreal". Nessa altura foi também resumido o percurso do escritor açoriano. E o escritor açoriano voltará em breve...

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