Inês Henriques presta homenagem a Maria Velho da Costa, Prémio Camões em 2002 e falecida este sábado aos 81 anos, com leitura de um excerto do livro que, em 1972, juntou as "três Marias" na denúncia da repressão exercida pela ditadura e na defesa da emancipação feminina.
"Novas Cartas Portuguesas" foi um ato de coragem inexcedível de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, decidido num encontro das três em maio de 1971. Além de vozes da renovação da Literatura portuguesa, foram porta-vozes da rebeldia, do inconformismo com a condição feminina, da reivindicação de direitos para as mulheres, da denúncia da emigração, da guerra colonial e da luta antifascista. Escrever aquela marcante obra valeu às três mulheres um processo que só seria suspenso após a Revolução do 25 de Abril, apesar da enorme onda de solidariedade que se gerou, no plano nacional mas também além-fronteiras, em redor das três escritoras. Mas antes do grito de revolta feito livro já a autora publicara várias obras.
Maria Velho da Costa nasceu em Lisboa a 26 de junho de 1938. Iria licenciar-se em Filologia Românica na Faculdadade de Letras da Universidade de Lisboa e, mais tarde, professora do ensino secundário nas áreas pública e privada, trabalhando também no Instituto Nacional de Investigação Industrial e de obter o curso de Grupo-Análise da Sociedade Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria. Em 1963 tem a estreia literária com "O Lugar Comum", seguindo-se "Maina Mendes" e "Ensino Primário e Ideologia". De 1973 a 1978 fez parte da direção e presidiu à Associação Portuguesa de Escritores. Pouco depois desempenhava funções governativas como adjunta do Secretário de Estado da Cultura, em 1979, no histórico Executivo liderado pela única mulher que até hoje desempenhou o cargo de primeiro-ministro em Portugal, Maria de Lurdes Pintasilgo. Porém, o V Governo Constitucional teve existência curta, durando apenas entre julho de 1979 e janeiro de 1980.
Vai diversificando a sua obra por géneros como romance, ensaio, conto, poesia, teatro e crónica, destacando-se "Revolução e Mulheres", "Cravo", "Português; Trabalhador; Doente Mental", "Casas Pardas", "Da Rosa Fixa", "Casas Verdes" ou "Lucialima". Leitora no Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros no King's College, em Londres, entre 1980 e 1987, foi nomeada adida cultural em Cabo Verde (1988/1991), além de participar na Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, seguindo-se missão no Instituto Camões. Continuará a publicar até 2008, sendo exemplos obras como "Missa in Albis", "Madame", "Irene ou o Contrato Social", "O Amante do Crato" e "Myra". Distinguida com diversos galardões ao longo da vida, em 2002 recebeu o Prémio Camões.
Colaborou também no Cinema, escrevendo para realizadores como João César Monteiro - "Veredas" ou "Que Farei eu com esta Espada?" - e Margarida Gil - "Rosa Negra" e "Anjo da Guarda". A voz conhecedora de Eduardo Lourenço considerou a sua escrita "de um virtuosismo sem exemplo entre nós".
Doente, aos 81 anos desaparece a segunda das três Marias - Maria Isabel Barreno morrera a 3 de setembro de 2016.
A edição original de "Novas Cartas Portuguesas" é da editora Estúdios Cor, mas as Publicações D. Quixote reeditaram o livro
Natália Correia era a diretora literária dos Estúdios Cor que publicaram a primeira edição da obra. De imediato, a censura determinou a recolha e destruição da obra, foi instaurado processo judicial às autoras, a PIDE interrogou-as, tentando que confessassem quem escrevera cada parte mais "atentatória da moral pública". O processo começou a 25 de outubro de 1973, foi adiado e já não resistiu à Liberdade nascida do 25 de Abril.
Inês Henriques tem participação regular aqui no blog, tendo já feito leituras de "Perto do Coração Selvagem", de Clarice Lispector (27 de abril) e "A Disciplina do Amor", de Lygia Fagundes Telles (10 de maio). Voltará em breve com mais leituras.
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