Primeiro em A Bola, depois - e num tempo que já vai em 20 anos - no diário O Jogo, Filipe Dias tem dedicado o seu trabalho como jornalista à área do Desporto. Porém, o talento da sua escrita não se esgota ali, conforme o comprova o inédito que aqui se apresenta.
Há na sua prosa uma espécie de nostalgia por um passado não vivido, remetendo diretamente para o universo de uma Lisboa tradicional, bairrista, atrevida e com um linguajar próprio, colorido e polvilhado pelo humor. Um olhar a um tempo inocente e sabedor, distraído e aproximado, superficial e profundo. Parte disto é resultado do contacto com histórias contadas por mais velhos, tanto na família natural como na jornalística e, por arrastamento, na desportiva. Se nos jornais a sua evolução o conduziu pela experiência à crónica futebolística direta ao assunto e à exposição de opiniões desassombradas e sem medos, setas certeiras desferidas pela caneta feita arco de um Robin dos Bosques da escrita, fora desse âmbito tem cultivado o gosto pela escrita de textos saborosos, nos quais os protagonistas se misturam entre o real e o imaginado, a "margem de certa maneira", como cantou José Mário Branco, e outros mundos. Na origem pressente-se um Filipe Dias de tons "Errolflynescos", colocando a ousadia sedutora ao serviço da donzela imaginação ao mesmo tempo que trata como merecem as figuras sinistras que lhe saem ao caminho. Ou talvez nem cheguem a tanto, uma vez que os seus vilões tentam afinal ter olho vivo e pé ligeiro, não são canalhas, são seres humanos com falhas, como todos nós, sobrevivendo umas vezes à custa de truques tão antigos como a Humanidade, outras soçobrando às emoções. Sim, por muito que as histórias tenham personagens desprendidas, na aparência com as pulsações bem controladas ou, pelo menos, sem falta de argumentos para atos destemperados - nem que seja, lá está, pelo lado humorístico da questão -, o bom malandro chega ao epílogo e não deixa de revelar como é precioso o seu coração feito cofre-forte de sentimentos. É muito por isto, porque o próprio autor está refletido na elegância com que as suas figuras parecem dançar por entre perigos e sair sempre por cima, mesmo depois dos mais arrojados malabarismos, que os seus textos parecem sempre cativantes e convidativos, sérios sem moralismos, fáceis sem qualquer facilitismo.
Certo dia, num tempo que agora parece já de fábula, alguém me ensinou uma importante lição acerca da escrita: "Escrever bem é escrever simples, não é pegar numa série de palavras caras e pespegá-las no papel." Esse alguém tem nome: chama-se Carlos Pinhão, Jornalista com letra sempre maiúscula, um dos mais humanistas professores que tive na profissão. O melhor elogio que o Filipe Dias justifica é que lemos todos os dias como escreve bem. Numa palavra: simples.
"Os Unidos da Junça" são parte das crónicas que Filipe Dias tem escrito quase em segredo - só falta mesmo que sejam todas publicadas...
Ler o Filipe, todos os dias, no diário O Jogo é um exercício de aprendizagem que faz bem à nossa saúde mental. E, quando for possível ler as crónicas que estão inéditas, vão ver como é saborosa a prosa...
Filipe Dias começou em A Bola a materializar a atração pela escrita, por jornalismo e por futebol. Ali nos conhecemos e ficámos amigos sem prazo nem jornal definidos, porque a amizade não conhece limites de tempo ou espaço. Inteligente e sabendo ouvir, com o decorrer dos anos foi absorvendo conhecimentos com a atenção e a paciência necessárias para se transformar num valor seguro. A passagem para O Jogo confirmou as expectativas quanto à sua real valia, acentuou a eficácia dos métodos de escrita e reforçou o olhar arguto sobre a realidade que o rodeia. Soma 20 anos de casa e é subchefe de redação.
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