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Paulo Jorge Pereira

Rita França Ferreira lê "Estar em Casa", de Adília Lopes

Criadora do projeto desculpasparaler.com e forte impulsionadora de iniciativas de debate com personalidades da Cultura nesta fase de pandemia, Rita França Ferreira apresenta passagens do livro "Estar em Casa", escrito por Adília Lopes. Poesia degustada como um bom vinho, tal e qual como refere a leitora.



Trinta e cinco anos separam "Um Jogo Bastante Perigoso" (1985) de "Dias e Dias" (2020). Em comum o facto de serem títulos que marcam o percurso literário de um nome maior da escrita poética em Portugal: Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira. Escrito assim, é provável que fique como enigma para muitos, mas se for referido o pseudónimo com que assina os livros, então já muita gente saberá que se trata de Adília Lopes. "Tinha problemas com o meu nome - não sei se é uma questão de distância, de repente senti que podia ir por um caminho e fui. E tinha problemas com o meu nome, patetas talvez, por causa da minha família, dos meus pais, e a escolha deste nome relacionou-se com o facto de apresentar uma novela a concurso e precisar de um pseudónimo, segundo as regras do concurso. Pedi a um amigo, ele escolheu este e aceitei. E ficou comigo depois do concurso, embora considere que é uma coisa um pouco postiça", confessou a Raquel Santos numa entrevista para o programa "Entre Nós" da RTP em 2005.

Nascida a 20 de abril de 1960 em Lisboa, a futura escritora tem formação religiosa católica e começou por entrar na Faculdade com a Física como escolha, mas "uma depressão nervosa" que lhe exigia "um tipo de raciocínio diferente" e que tem mencionado ao longo do tempo afastou-a desse caminho, apesar de ser uma excelente aluna, respeitando as sugestões dadas por quem mais sabia sobre o tema. Não se esconder do problema e escrever, escrever muito, escrever sempre, foi uma outra via. "Havia em mim uma riqueza interior tão grande que queria partilhá-la com outras pessoas", admitiu na tal entrevista de 2005. "Há em todas as pessoas riqueza interior e queria partilhá-la com os outros. E partiu de um movimento de generosidade, não era para me pôr num pedestal", acrescentou.

Assim, em 1983 já estava a apresentar-se a um concurso de prosa da Associação Portuguesa de Escritores e a enviar poesia à editora Assírio & Alvim. Na já referida entrevista, relatou a forma como chegou à poesia: "Desde os 22 anos tenho muitos gatos em casa, eles entravam como pombas, porque tinha a janela da cozinha aberta e eles vinham das traseiras, num primeiro andar de um bairro antigo em Arroios", contou. O desaparecimento, durante alguns dias, de uma das gatas de quem mais gostava levou-a a escrever quase de forma automática. "Escrevi muito depressa e vi que era um poema: estava escrito na vertical do papel, verso a verso e a partir daí continuei a escrever", explicou, acrescentando que a gata reaparecera.

Por essa altura resolve regressar à Faculdade, já não a Física, mas ao curso de Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa que acabará em 1988. Três anos antes dessa conclusão tem a oportunidade de se estrear a publicar e apresenta "Um Jogo Bastante Perigoso", então ainda numa edição de autor. Seguem-se "O Poeta de Pondichéry" (1986), "A Pão e Água de Colónia" e "O Marquês de Chamilly" (ambos de 1987) e ainda "O Decote da Dama de Espadas" (1988).

Bolseira do Instituto Nacional de Investigação Científica, trabalha na Universidade de Lisboa e interrompe a escrita até 1991. Mas regressa com "Os 5 Livros de Versos Salvaram o Tio", precisamente em 1991. Depois de outros cinco livros de poesia, a partir de 1995, já especialista em Ciências Documentais, investiga espólios como os de Fernando Pessoa, José Blanc de Portugal ou Vitorino Nemésio. À medida que vai escrevendo e publicando, o seu trabalho chega a mais áreas, incluindo o teatro em 1999 com "A Birra da Viva". De 2000 é "Obra", ilustrada por Paula Rego, tornando-se um dos exemplos de maior popularidade do seu trabalho.

"Cada vez precisamos mais de poesia", afirma a Raquel Santos no programa de 2005. "É um tempo muito misterioso em que parece que as coisas acontecem muito depressa ou que nem acontecem e a poesia é aquilo que fala da imortalidade", diz. Da poesia que escreve afirma ser "muito artesanal", relacionando-se com a "forma de lidar com a angústia e com a alegria".

Sobre o seu processo de escrita, Adília Lopes conta no programa: "Tenho dois cadernos, um dentro da carteira, outro em casa, e ando muito pelos cafés do meu bairro. São diários em que escrevo coisas que não interessam para publicação e sempre com as horas. E é dessa ganga de palavras, desse monólogo interior, que sai o poema. Lamento muito ter-me desfeito de muitas coisas, porque desde a 1.ª classe que escrevia dessa maneira", lembra.

Depois de "Obra", Adília Lopes prosseguiu o seu trabalho literário, ganhando dimensão em termos públicos com entrevistas e presenças regulares em diferentes meios de informação. Mas nunca alterou o seu estilo, o seu discurso, os seus métodos, a sua forma de escrever.

"Reconheço que falo muito de sexo nos meus poemas", responde a uma questão de Raquel Santos sobre o assunto. "Não diria que é sem pudor, não é uma exploração do assunto. É grave o que estou a dizer, mas no meu caso seria pecar por omissão não escrever certas coisas. Não o faço de uma maneira ligeira, nunca o fiz, nem o faço para desabafar, mas de uma forma refletida. Porque lidamos com estas questões com muita hipocrisia, vergonha e sofrimento. E, se posso fazer alguma coisa para minorar esse sofrimento, então eu faço, não pensando em relação a mim, mas aos jovens e a pessoas mais velhas", sustenta.


Assírio & Alvim


"Antes de ser mulher, portuguesa, lisboeta, eu sou cristã", afirmou no programa Entre Nós da RTP, numa entrevista concedida a Raquel Santos em 2005.

"Sigo muitos blogues de pessoas que gostam de ler como eu. Contudo, são destinados a quem já gosta de ler. Sinto que faltava um espaço que sugerisse e falasse de livros para quem quer recomeçar a ler ou para quem não lê. E isto tem de ser feito de uma forma clara, descodificada, simplificada. Também foco o gosto de leitura que recuperamos quando somos pais. Tornamo-nos os contadores de histórias e os livros dos nossos filhos", explica Rita França Ferreira, a criadora do site desculpasparaler.com. "Estou certa de que esta abordagem vai trazer boas conversas à mesa, vai unir famílias pela leitura, vai por em comum conhecimento e, sobretudo, vai permitir viajar através de um livro. Seja ele em papel, áudio ou ebook", reconhece a consultora de comunicação. Desculpasparaler.com estava à espera de uma oportunidade e ela surgiu online no dia 25 de Abril. Destinado sobretudo a pessoas que não leem ou leem pouco, apresenta inúmeras sugestões de leitura, "pessoas comuns que partilham as obras que passam pelas respetivas mesas de cabeceira".

Mas há muito mais em jogo neste projeto: "Entrevistas a pessoas comuns, portuguesas e estrangeiras, visitas a bibliotecas de radiologistas, advogados, investigadores, professores; a descoberta de dicas para se falar e escrever mais e melhor; ouvir histórias pela voz dos adolescentes. Entre outras desculpas para ler." Quanto às razões que levaram à concretização da ideia na quarentena é muito simples: porque "houve coragem e tempo. Com a quarentena, houve tempo para tirar da gaveta este projeto, aprimorá-lo e pô-lo ao serviço dos outros", salienta Rita França Ferreira, cujo objetivo primordial é "contribuir para o aumento dos hábitos de leitura em Portugal. Não é um site. É uma desculpa para ler".

Eis como a própria Rita França Ferreira se descreve: "Conhecida por França Ferreira. Sou mãe da M. Diz que sou a melhor mãe do mundo, apesar de não ter jeito para vídeos no tik tok. Sempre quis ter uma profissão ligada aos livros, na altura dizia que queria ser escritora ou ter uma livraria. Em pequena, estava rendida às coleções "Os Sete" e "Colégio das Quatro Torres" e lembro-me da avidez de leitura quando me deparei com "O Conde de Monte Cristo", do Alexandre Dumas. Depois do jornalismo, das multinacionais e do marketing research, hoje sou consultora de marketing e criadora de conteúdos, apaixonada por marcas e por boas histórias. Fundei a Caracol nas Entrelinhas, que escreve histórias para marcas com palavras, e palavras para marcas com história", sintetiza.

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