No passado dia 11, Ondjaki foi agraciado com o Prémio Literário Vergílio Ferreira. Aqui se recupera a leitura que Sandra Escudeiro apreentou de um excerto da obra que lhe assegurou, em 2013, o galardão José Saramago: o romance "Os Transparentes".
Ondjaki (que significa "Guerreiro" em Umbundo, uma das línguas bantu mais faladas em Angola, e que esteve para ser o seu nome atribuído pelos pais, mas, segundo o próprio, em entrevista à TDM, também quer dizer "Traquina", "Malandro" ou "Irrequieto") é o pseudónimo de Ndalu de Almeida, poeta angolano que nasceu em Luanda a 5 de julho de 1977 e licenciou-se em Sociologia na cidade de Lisboa antes de se doutorar em Estudos Africanos (Itália) em 2010. Dez anos antes começara a sua aventura literária com o livro de poesia "Actu Sanguíneu", seguindo-se em 2001 o primeiro livro de contos ("Momentos de Aqui") e a estreia no romance com um livro que aqui já foi apresentado, "Bom Dia, Camaradas". "Há um lado da minha obra que lida com aspetos mais autobiográficos como é o caso de 'Bom Dia, Camaradas' e mais dois ou três", reconheceu na citada entrevista sobre o primeiro romance, no qual existe uma Luanda recheada de professores cubanos, cartões de abastecimento e conflitos sociais. "A autobiografia é um tema recorrente na Literatura, a minha é bastante alterada, ainda é cedo para fazer uma autobiografia no sentido mais restrito do termo, mas a realidade tem elementos tão literários que seria impossível para mim não passar pela própria realidade. Às vezes, a realidade angolana, sobretudo em Luanda, é tão forte, tão performática, tão já cheia de ficção que não é preciso estar a inventar truques literários, basta às vezes estar perto da realidade para fazer boa ficção", contou ao jornalista da TDM.
Dominando diferentes linguagens, tem trabalhos realizados também em pintura e no domínio do Cinema (que estudou em Nova Iorque) - neste caso, em parceria com Kiluanje Liberdade, assinou o documentário "Oxalá Cresçam Pitangas - Histórias de Luanda", filmado entre 2005 e 2006 -, além de estudos e prática na área do teatro. Vai escrevendo e publicando poesia ("Há Prendisajens com o Xão"), romance ("O Assobiador"), literatura para os mais jovens ("Ynari: A Menina das Cinco Tranças"), romance ("Quantas Madrugadas Tem a Noite") e contos ("E se Amanhã o Medo"). Ao mesmo tempo, pouco antes e já enquanto vivia no Brasil, entre 2008 e 2015, as suas obras ganharam relevo e algumas distinções: em 2007, o livro de contos "Os da Minha Rua" conquista o Grande Prémio APE, três anos mais tarde recebe o Prémio Jabuti na categoria livro juvenil para "Avó Dezanove e o Segredo do Soviético" e de 2013 é o Prémio Saramago em função do romance "Os Transparentes". "Não está explícito, mas essa obra acontece logo no pós-guerra, já com a presença maciça de tudo o que é aquele regresso por causa de razões económicas tanto dos portugueses como dos brasileiros, mas também já a chegada dos chineses", esclareceu na entrevista concedida à TDM. "No meio da reconstrução e do petróleo estão nitidamente os temas da ganância, da corrupção e de outros que são sociais mas não obedecem a fronteiras rígidas entre a ficção e a realidade", sublinhou.
"Em qualquer parte do mundo ainda é complicado ser escritor, mas, por outro lado, é um privilégio", reconheceu em entrevista de 2018 para o Wook. "Somos bem recebidos onde vamos, uma das grandes vantagens é que as pessoas nos recebem de coração aberto. Isso é bonito", comentou. E, quanto àquilo que está contido no papel de quem escreve, o autor opinou: "Para mim, ser escritor não é só a viagem, não é só o escrever, é também o poder contar histórias, trazer um bocadinho de ilusão, de magia à vida das pessoas, sobretudo das crianças", confessou.
Com obra traduzida para mais de uma dezena de idiomas e quase três dezenas de livros publicados nos diferentes géneros (em 2009 estreou-se a publicar uma peça de teatro com "Os Vivos, o Morto e o Peixe-Frito"), é um dos valores seguros da Literatura lusófona e de quem se esperam muitos mais livros atraentes.
Não é a primeira vez que o trabalho literário de Ondjaki é abordado aqui - a 27 de junho de 2020, com voz e imagem de Fernanda Silva, foi possível "ouver" um trecho do livro "Bom Dia, Camaradas".
Editorial Caminho
"Para mim, ser escritor não é só a viagem, não é só o escrever, é também o poder contar histórias, trazer um bocadinho de ilusão, de magia à vida das pessoas, sobretudo das crianças", disse Ondjaki numa entrevista há cerca de dois anos.
Sandra Escudeiro, que se identifica como "uma amante da Leitura", mas também artesã, tem presença regular aqui no blog, nasceu em 1973 e vive em Vila Nova de Famalicão. É a dinamizadora do "Clube de Leitores", na biblioteca escolar da Escola Básica de Ribeirão, onde trabalha há 11 anos. Por outro lado, é também artesã e, em part time, dedica-se à trapologia desde 2009. Inspira-se na literatura e nos seus autores, idealiza e constrói bonecos exclusivos em trapos designados "Bonecos Urbanos", aqui surgindo as "Figuras Literárias", isto é, bonecos que caracterizam os mais importantes escritores, diversas personagens das histórias infantis bem como outros seres idealizados na imaginação da criadora. Podem acompanhar aqui o seu maravilhoso trabalho: bonecosurbanos.blogspot.com. Está já nas dezenas a sua participação aqui no blog. Tudo começou com a leitura do poema "A Espantosa Realidade das Coisas", de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa, a 15 de junho; seguiram-se "O Limpa-Palavras", de Álvaro Magalhães, a 26 desse mês; "Canção na Massa do Sangue", de Jacques Prévert, a 30 de julho; "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", de Clarice Lispector, a 2 de outubro; "Só" e "O Poço é o Pêndulo", de Edgar Allan Poe, foram as suas leituras de 2 de novembro; no dia 21 desse mês regressou com "Os Transparentes", de Ondjaki, que hoje aqui volta. E aproveitou o centenário da escritora Clarice Lispector para regressar, participando nessa edição especial com Inês Henriques e recorrendo à leitura de dois fragmentos da obra da brasileira, no dia 10 de dezembro. A 23 desse mês voltou, então para apresentar um excerto do livro "O Pintor Debaixo do Lava-Louças", de Afonso Cruz.
Seguiu-se a presença de 24 de janeiro quando apresentou o poema "Quarto Crescente", do livro "Luto Lento", escrito por João Negreiros. A 10 de fevereiro leu "Devia Morrer-se de Outra Maneira", escrito por José Gomes Ferreira. Cerca de um mês mais tarde foi uma das vozes que contribuíram para o Especial dedicado ao Dia Internacional da Mulher, lendo um excerto de "Insubmissão", de Maria Teresa Horta. A 26 de março trouxe um trecho da obra "A Desumanização", de Valter Hugo Mãe. "A Infinita Fiadeira", de Mia Couto, foi a sua proposta de 6 de maio. A 30 desse mês trouxe "A Cor Azul", de Jaime Soares. A 26 de junho apresentou "Já Não me Deito em Pose de Morrer", de Cláudia R. Sampaio. "Terra do Pecado", de José Saramago, foi a proposta que leu a 16 de novembro, dia em que o escritor completaria 99 anos. "O Perfume", de Patrick Süskind, foi a sua leitura a 2 de fevereiro. A 26 de abril trouxe "O Vício dos Livros", de Afonso Cruz. "Infância e Palavra", de Luísa Dacosta, foi a sua proposta de 20 de maio. A 8 de junho propôs "Kafka à Beira-Mar", de Haruki Murakami. De 7 de dezembro é o regresso da obra "A Cor Azul", de Jaime Soares.
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